segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

CASTIDADE É A TENDÊNCIA NO VERÃO

Claudia Tajes, Folha de S.Paulo
Castidade é a tendência no verão da ministra Damares
E vem aí a campanha que prega a abstinência sexual como a melhor forma de se evitar a gravidez na adolescência. 
E vem com tudo, em fevereiro, mês de dias escaldantes e corpos pelados —não só nas praias e nas piscinas, mas também nas ruas, nas lojas, nos escritórios, nos ônibus e no metrô. 
O mês em que, a não ser que se fuja para um retiro, o Carnaval invade o Jornal Nacional, tapa-sexos bem recheados tornando o calor na sala subitamente insuportável.
Como foi que ninguém viu que a solução para terminar com a tragédia da gravidez na adolescência era tão simples? Em vez de gastar os tubos com campanhas educativas e distribuição de camisinhas, um coaching crente para frear os hormônios da garotada. 
Só os puros entram no reino dos céus. Se Jesus resistiu, você consegue. Por que dar se você pode orar? Deus maior que Momo. Carnaval são só três dias, novena são nove. 
E por aí vai.
Em 2019, um estudo da ONU apontou que o índice brasileiro de 62 adolescentes grávidas para cada grupo de mil jovens de 15 a 19 anos era bem maior que a taxa mundial, de 44 meninas grávidas para cada mil. 
“Elas precisam ter mais acesso à informação e aos métodos contraceptivos”, disse o relatório, recomendando também que as garotas fossem apoiadas para exigir responsabilidade de seus parceiros.
Diante disso, o Ministério da Tradição, Família e Propriedade tomou as providências cabíveis. Para não engravidar, o negócio é não transar. É tão óbvio! 
E muito menos previsível que atacar o problema como o Reino Unido, por exemplo, onde 21 adolescentes engravidam em cada mil. Número que vem baixando desde 2007 com a intensificação de campanhas educativas e o acesso generalizado à contracepção gratuita. Ah, o número de abortos dessa faixa etária também caiu pela metade por lá.
Mas ninguém quer que a iniciativa de Damares e seus prometidos dê errado. O assunto é tão sério que, mesmo com cara e cheiro de que o cordeiro vai para o brejo, o jeito é torcer por algum resultado. Qualquer 0,1% é goleada. Só muito cuidado com a praia e com o Carnaval. 
Jovens, não se deixem cair em tentação. Fica aqui, como um estímulo à castidade, a máxima da neurolinguística adaptada a esses novos tempos: você quer, você não p(h)ode.
Claudia Tajes
Escritora e roteirista, tem 11 livros publicados. Autora de "Macha".
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