Um dos episódios mais espantosos da política brasileira foi
a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, uma data simbólica: o Dia
do Soldado. Às voltas com um Congresso dominado pela oposição, após ter sido
denunciado, na televisão, pelo seu maior eleitor, o governador da antiga
Guanabara, Carlos Lacerda, o presidente Jânio Quadros renunciou ao cargo,
precipitando o Brasil numa crise sem precedentes, que não foi contida pelo seu
sucessor, João Goulart, e acabou desaguando no golpe militar de 1964.
A sua renúncia tem duas interpretações relevantes: uma é a
dele próprio, seis meses antes de morrer, em 1991, em depoimento ao neto
homônimo, autor da biografia Jânio Quadros: Memorial à História do Brasil.
Depois de 50 anos de silêncio, disse que a renúncia não deveria ter existido:
“A minha renúncia era para ter sido uma articulação. Nunca imaginei que ela
seria de fato executada. Renunciei à minha candidatura à Presidência em 1960 e
ela não foi aceita. Voltei com mais fôlego e força. Meu ato de 1961 foi uma
estratégia política que não deu certo, uma tentativa de recuperar a
governabilidade. Também foi o maior fracasso político da história republicana.
O maior erro que já cometi…”
Jânio arquitetou um plano que julgava infalível, em meio a
intrigas palacianas protagonizadas por assessores muito próximos, que se
digladiavam. Primeiro, mandou o vice-presidente João Goulart em missão à China,
para afastá-lo das articulações políticas. Presidente e vice podiam ser eleitos
por partidos diferentes, até adversários (Goulart elegeu-se com 36% dos votos,
graças a uma manobra dos sindicalistas paulistas, que montaram a chapa pirata
“Jan-Jan”). Jânio escreveu a carta-renúncia no dia 19 e entregou ao ministro da
Justiça, Oscar Pedroso Horta, no dia 22. Estava confiante de que não haveria
ninguém para assumir o cargo e, por isso, voltaria ao poder mais forte, nos
braços do povo, com apoio dos governadores e dos militares.
Janio avaliava que Jango não tomaria posse: “Achei que era
impossível ele assumir, que todos iam implorar que eu ficasse” — disse ao neto.
“Charles De Gaulle renunciou na França e o povo foi às ruas exigir a sua volta.
A mesma coisa ocorreu com Fidel Castro, em Cuba. Achei que voltaria para
Brasília na glória. Pedi um voto de confiança à minha permanência no poder. Fui
reprovado, e o país pagou um preço muito caro. Deu tudo errado.”
A outra é do jornalista Carlos Castelo Branco, no livro A
renúncia de Jânio: um depoimento, no qual o maior jornalista político que
Brasília já conheceu relata os bastidores da renúncia, separando os delírios de
Jânio das intrigas de bastidores no palácio, que acompanhou de corpo presente
como secretário de Imprensa da Presidência e relata com precisão.
Nelas, pontificaram o ministro da Justiça, Pedroso Horta, e
José Aparecido, cada qual puxando o governo para um lado. Castelo relata um
episódio pequeno, em todos os sentidos, mas de grande significado. Horta havia
articulado um encontro de Lacerda com Jânio, em Brasília, que foi um desastre.
Aparecido fez uma intriga com Jânio e submeteu Lacerda a uma situação
humilhante, ao frustrar sua expectativa de pernoitar no Alvorada: simplesmente
mandou o mordomo aguardar Lacerda com sua mala de viagem e conduzi-lo à porta
do palácio.
O golpe
Ao relatar uma conversa de Jânio com o então ministro do Trabalho, Castro Neves, no aeroporto de Cumbica, presenciada também por José Aparecido, Carlos Castelo Branco revela o ponto de encontro entre as intrigas palacianas e os delírios do presidente: “Nada farei por voltar, mas considero minha volta inevitável. Dentro de três meses, se tanto, estará na rua, espontaneamente, o clamor pela reimplantação do nosso governo. O Brasil, no momento, precisa de três coisas: autoridade, capacidade de trabalho e coragem e rapidez nas decisões. Atrás de mim não fica ninguém, mas ninguém, que reúna esses três requisitos”.
Ao relatar uma conversa de Jânio com o então ministro do Trabalho, Castro Neves, no aeroporto de Cumbica, presenciada também por José Aparecido, Carlos Castelo Branco revela o ponto de encontro entre as intrigas palacianas e os delírios do presidente: “Nada farei por voltar, mas considero minha volta inevitável. Dentro de três meses, se tanto, estará na rua, espontaneamente, o clamor pela reimplantação do nosso governo. O Brasil, no momento, precisa de três coisas: autoridade, capacidade de trabalho e coragem e rapidez nas decisões. Atrás de mim não fica ninguém, mas ninguém, que reúna esses três requisitos”.
Jânio renunciou na certeza de que voltaria. “Uma vez que,
sob a Constituição, não poderia reassumir a Presidência, a não ser através de
novas eleições, o que esperava? Obviamente, um golpe, que lhe oferecesse de
volta o poder e que lhe permitiria impor condições, como o fechamento do
Congresso, de cuja inutilidade e vícios fazia aberta apologia nos dias que
antecederam à renúncia”, concluiu outro craque do jornalismo, Luiz Gutemberg,
ao prefaciar o livro de seu amigo e colega Castelinho.
Moral da história: quanto mais poderosos seus protagonistas,
mais perigosas são as intrigas palacianas, agora operadas com fake news, por
meio das redes sociais. O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, por exemplo,
foi ejetado da cadeira de secretário-geral da Presidência dessa forma. Segundo
a Polícia Federal, são falsas as mensagens que circularam no WhatsApp e que
contribuíram para a sua demissão em junho. O suposto diálogo entre o ministro e
um interlocutor, com críticas ao presidente Jair Bolsonaro, a um filho do
presidente e a uma pessoa identificada como “Fábio”, provavelmente foi de
autoria de um perfil falso e disseminado nas redes por um robô. O militar havia
entrado em rota de colisão com um dos filhos de Bolsonaro, o vereador Carlos
Bolsonaro, e seu guru, Olavo de Carvalho.


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