O Congresso criou, nos últimos anos, o que já está sendo
chamado na área técnica de “parlamentarismo orçamentário”. Além de toda a peça
orçamentária ter se tornado impositiva, mais de 50% dos investimentos da União
foram alocados no Orçamento de 2020 por meio de emendas parlamentares. Isto
significa que deputados e senadores vão dizer, neste ano, na maioria dos casos,
onde e em que obras as verbas serão gastas.
A nova realidade orçamentária abrirá a primeira crise entre
o governo Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional neste início de ano
legislativo. Já está negociada pelas principais lideranças da Câmara dos
Deputados e do Senado a derrubada do veto do presidente da República ao artigo
64-A da lei 13.957, que alterou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), válida
para 2020.
A lei 13.957 torna obrigatória as emendas ao Orçamento
feitas pelas comissões do Senado e da Câmara e pelo relator-geral. O artigo
64-A, motivo da disputa entre Executivo e o Congresso, determina que a execução
das programações das emendas deverá observar as indicações de beneficiários e a
ordem de prioridades feitas pelos respectivos autores.
Traduzindo o economês, o parlamentar é que vai indicar o
órgão para onde os recursos de suas emendas serão destinados, as obras ou
serviços que serão realizados e, em caso de contingenciamento das dotações
orçamentárias, qual é a ordem de prioridade. O parlamentar será, portanto, o
verdadeiro gestor do recurso orçamentário.
Além disso, o artigo vetado pelo presidente determina que o
governo, ao fazer o contingenciamento das dotações orçamentárias, reduza as
emendas feitas pelas comissões do Senado e da Câmara e pelo relator-geral na
mesma proporção das demais despesas. Bolsonaro vetou dispositivos que darão
efetivo controle sobre a execução das emendas parlamentares aos seus autores.
Na mensagem do veto, o presidente argumenta que o
dispositivo proposto pelos parlamentares é contrário ao interesse público, pois
“é incompatível com a complexidade operacional do procedimento estabelecer que
as indicações e priorizações das programações com identificador de resultado
primário derivado de emendas sejam feitas pelos respectivos autores”. É muito
provável que Bolsonaro perderá nesta questão, pois o artigo vetado tem o apoio
dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre
(DEM-AP). Os deputados e senadores não abrem mão de gerir suas emendas e da
proporcionalidade no contingenciamento.
As emendas parlamentares ao Orçamento deste ano somam R$
48,5 bilhões – um recorde histórico. Do total, R$ 9,4 bilhões são de emendas
individuais, R$ 8,2 bilhões, de emendas de bancadas estaduais, e R$ 687,3
milhões, de comissões. Só o relator-geral do Orçamento, Domingos Neto (PSD-CE),
apresentou emendas no total de R$ 30,1 bilhões (ver tabela abaixo). Do total
das emendas parlamentares, R$ 23,8 bilhões foram destinados aos investimentos,
que estão programados em R$ 41 bilhões para este ano.
Com a derrubada do veto, os parlamentares passarão a gerir,
diretamente, mais da metade dos investimentos da União. Na prática, isto
significa que serão eles que dirão aos ministros de cada área onde deverão
aplicar os recursos orçamentários. Irão escolher a obra e definir prioridades.
Toda a lógica orçamentária que predominou até agora será alterada.
Era comum encontrar deputados e senadores nos gabinetes de
autoridades, às vezes sem conseguir serem recebidos, com pedidos para que os
recursos das emendas fossem liberados e que a destinação ocorresse para as
obras que desejavam. As solicitações eram atendidas, muitas vezes, depois de
assegurados os votos favoráveis a projetos de lei de interesse do Executivo.
A partir deste ano, serão os ministros que terão que
procurar os deputados e senadores para que eles destinem suas emendas para as
obras que o governo considera prioritárias. Os encontros de ministros com
parlamentares com esse objetivo já começaram.
“Agora, é o ministro que está indo atrás do parlamentar”,
sintetizou um líder partidário, em conversa com o Valor.
Mesmo que o veto do presidente não seja derrubado, o artigo
quarto da lei orçamentária deste ano (lei 13.978/2020) proíbe, em seu parágrafo
7º, o cancelamento de valores incluídos ou acrescidos no Orçamento por emendas
parlamentares. Tudo terá que ser feito com a concordância ou sugestão do autor
da emenda.
A emenda constitucional 100 estabelece que é um dever da
administração executar as programações orçamentárias. A emenda 102 esclarece
que a execução obrigatória se aplica exclusivamente às despesas primárias
discricionárias, que são, justamente, os alvos das emendas parlamentares.
Nas próximas semanas, o governo deverá editar o primeiro
decreto de programação orçamentária e financeira do Tesouro neste ano, com um
contingenciamento das dotações. Neste documento, saberemos como o governo
entendeu a impositividade das emendas parlamentares.
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