O ano de 2020 na Educação começou marcado por uma palavra
trazida à moda pelo ministro da pasta: balbúrdia. Confusão na correção do Enem
e, consequentemente, na divulgação do resultado do Sisu, o sistema unificado
que usa as notas do exame para direcionar os alunos para as universidades.
Ontem, com liminar concedida pelo Superior Tribunal de
Justiça, estudantes conseguiram ter acesso aos resultados, mas muitas dúvidas
ainda pairavam quanto aos critérios de atribuição das notas e escolha de vagas.
Diante de evidente falha técnica e administrativa do MEC,
Jair Bolsonaro optou pela sua saída padrão quando as coisas vão mal por
ineficiência dos assessores que ele considera leais, ideologicamente alinhados
e suficientemente lacradores nas redes sociais: apontou sabotagem,
provavelmente da esquerda infiltrada na pasta.
Isso, claro, sem ter qualquer dado ou evidência – uma
sindicância, uma auditoria, alguma denúncia em canais oficiais – de que tenha
havido algo do gênero. Diversionismo para enganar aquele exército bovino das
redes sociais sempre disposto a amparar qualquer absurdo que venha do governo.
Acontece que numa pasta que lida com estatísticas, como a
Educação, o sedimento formado pelo aparelhamento ideológico, pela inépcia
administrativa e pelo desprezo à ciência vai deixar marcas que ficarão
associadas ao governo Bolsonaro para a História. E neste caso não será possível
apontar um complô alienígena para culpar.
Enquanto tudo isso acontecia em seu quintal, o ministro
Abraham Weintraub ocupava os últimos dias com mais postagens nas redes sociais
divulgando fake news contra jornalistas ou brandindo um vidro de água sanitária
numa receita caseira para aplacar o suposto mau hálito de outro. Sim, isso
mesmo. Dentro do gabinete do MEC. Está no Twitter, com orgulho indisfarçado da
própria capacidade de fomentar a “guerra cultural”.
Também se dispôs a encaminhar “diretamente ao Inep” o caso
da filha de um apoiador, uma das milhões de estudantes que apontaram erro na
correção do Enem, sempre por meio da rede social favorita. Não é só. Nos
últimos dias, decreto assinado por Bolsonaro abre uma brecha para que este MEC,
assim aparelhado, em que o titular da Capes, responsável por pesquisas, se
revela orgulhosamente defensor do criacionismo, produza livros didáticos.
Não foi por acaso o ataque de Bolsonaro aos livros
adquiridos por meio do Programa Nacional do Livro Didático, aqueles que, no
gosto presidencial, tinham muita coisa escrita.
O filão dos livros didáticos sempre foi uma espécie de
galinha dos ovos de ouro dos pupilos de Olavo de Carvalho que foram
encastelados no MEC na gestão de Ricardo Vélez Rodríguez, caíram por
intervenção do general Santos Cruz, mas continuam orbitando em torno do poder.
Vários desses olavetes inflamados têm participações em editoras e esperam só
uma chance para abocanhar esse rentável mercado. E, de quebra, fazer aquela
doutrinaçãozinha ideológica, porque ninguém é de ferro.
É esse estado de coisas que compromete de maneira séria a
Educação brasileira. Exumar Paulo Freire e malhá-lo como um Judas diante de uma
massa que não sabe nada a respeito da obra do educador é um jeito de criar uma
cortina de fumaça para o verdadeiro plano de utilizar educação e cultura como
correia de transmissão do reacionarismo (e nunca conservadorismo, porque os conservadores
de fato se contorcem diante dessa marcha batida rumo às piores práticas
autoritárias).
O Congresso, que tem em suas cadeiras alguns bons
parlamentares com foco nessa área, precisa, no retorno do recesso, voltar os
olhos para os desmandos no MEC, já que, pelo jeito, Bolsonaro continuará
apontando inimigos imaginários enquanto seu ministro pinta e borda.
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