A longa lista de golpes fracassados de capitães, sargentos e
militares de baixa patente
O general Santos Cruz já disse com todas as letras que o
Exército não vai dar golpe para sustentar o governo do capitão Jair Bolsonaro.
Na Marinha e na Força Aérea a palavra nem existe. Assim mesmo, não sai da boca
dos alarmistas, que esperam que na noite de 15 de março as duas casas
legislativas e o Supremo venham abaixo sob a pressão das ruas e o voluntarismo
de militares aventureiros.
Será possível? A perspectiva de que o capitão Jair Bolsonaro
chute o balde é fantasiosa. Muita imaginação, pouca cultura histórica e baixa
percepção da correlação de forças que hoje se digladiam no cenário político do
País. O fato de haver muitos fardados de verde-oliva no Palácio do Planalto, em
funções políticas ou administrativas, não autoriza esperar uma quebra da ordem
estabelecida. Ninguém tem condições efetivas para isto. Nem os militares, nem
os ideológicos, nem os administradores, dentro do governo, têm força para
suplantar as outras facções; O Congresso não pode derrubar o governo com um
impeachment, nem fechar o Supremo. E o Judiciário também está de mãos
amarradas, por mais que muitas ilegalidades estejam acontecendo nas barbas dos
seus ministros, que têm, na verdade, de criar contorcionismos para se
movimentarem num ambiente tão volátil. Então não vai ter golpe. Agora, pois o
passado condena.
Tentativas de golpes por militares de baixa patente (como o
capitão Bolsonaro) não são raras na História do Brasil, principalmente no
século XX, depois que, como dizem os cientistas políticos de hoje, a dita
moderna república derrotou e baniu a antiquada monarquia conservadora dos
Bragança, em 1889. Com um regime mais “moderno” implantado pelos militares
“progressistas”, Deodoro e Floriano, o Brasil incorporou-se ao bloco das
repúblicas latino-americanas, adotando seus costumes, que resolvem suas
pendengas políticas pela truculência dos militares armados, nos chamados golpes
de estado. Não confundir com o eufemismo de “golpes de estado parlamentares,
tão em voga em nossos dias. Falamos dos verdadeiros golpes, com canhões, tanques,
aviões de combate ou navios de guerra, presidentes fugindo, prisões de portas
abertas para receber dissidentes. O Brasil não ficou isento.
Normalmente, tanto aqui como nas vizinhanças, os golpes
vitoriosos ou fracassados são comandados por generais, almirantes ou
brigadeiros. Já aqueles liderados por majores, capitães e até sargentos ou
marinheiros rasos, nenhum deu certo, todos acabaram em fracasso com seus atores
presos, exilados ou, nos casos mais comuns, anistiados pelos governos fracos
que enfrentaram. Uma forma bem sul-americana de pacificação.
Na verdade, os golpes de estado exitosos não foram tão
frequentes quando essas leituras da História, nem tão fora de contextos
políticos muito bem definidos. Sempre há um movimento de massa por trás dos “golpistas”,
sejam políticos sejam militares.
Na Independência, em 1822, havia um grande levante nacional
contra o regime de Lisboa, encampado pelo príncipe regente, Dom Pedro, levado
pela frente por uma composição heterogênea de todas as forças políticas no
país, num “acordão” levado a efeito pelo Patriarca (ele já tinha esse título em
7 de setembro) José Bonifácio de Andrada e Silva. Tal qual na queda do
presidente Fernando Collor, 170 anos depois, em 1992, que todas as forças do
País, da esquerda petista à direta dos liberais do PFL, se uniram para derrubar
o presidente da República. No caso de Dilma a resistência parlamentar foi
diminuta, legalizando a deposição da chefe de estado. Como foi no golpe de
Floriano, na queda do governo Deodoro, que teve unanimidade no parlamento. Não
houve reação monarquista na área política ou na judicial. A guerra civil
denominada Revolução de 1893 foi entre facções dos antigos liberais dos
partidos republicanos. A República Velha foi de partido único, diferentemente
da monarquia bipartidária.
A narrativa ainda oficial da história política
contemporânea, diz que a Revolução de 1930 foi um golpe de estado dos generais
para depor o presidente Washington Luís e entregar o governo de mão beijada aos
derrotados do ditador Getúlio Vargas (O presidente eleito, Júlio Prestes, não
tomou posse). Os 100 mil homens em armas que ficaram no Rio Grande do Sul, numa
composição nunca mais repetida entre chimangos e maragatos, é descartada pelos
historiadores de certas tendências que reduzem o fato histórico a um
“chega-pra-lá” de generais, com intervenção pacificadora do cardeal Dom
Sebastião Leme. A revolução ficou com a narrativa de um simples golpe, não
obstante o caudilho José Antônio Flores da Cunha tenha amarrado seus cavalos no
Obelisco em frente ao Senado., no Rio de Janeiro.
Em 11 de novembro de 1955, outro golpe vitorioso: o ministro
da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, depôs o presidente interino Carlos
Luz, logo em seguida prendeu o presidente Café Filho (voltava de uma licença
médica), e entregou o poder ao presidente do Senado, Nereu Ramos, de Santa
Catarina. Lott visava assegurar a posse dos eleitos, Juscelino Kubistchek e
João Goulart, ameaçados pela oposição que não aceitava o resultado das urnas.
Foi um golpe com amplo apoio popular, pois os dois tinham acabado de vencer uma
eleição reconhecida como legitima. Isto sim é g aos tanques que o ministro Lott
mandara descer da Vila Militar para o centro do Rio de Janeiro, para mostrar
que falava com o chicote na mão.
No contrafluxo, um grupo de políticos e o alto comando da
Marinha, sob a chefia do almirante Pena Boto, tentaram resistir. O presidente
deposto Carlos Luz embarcou no cruzador Almirante Tamandaré, a belonave mais
poderosa da esquadra brasileira, e se fez ao mar com o navio comandado por
Sílvio Heck, um oficial que, anos depois, seria ministro da Marinha e tentaria
aplicar um golpe de estado para impedir a posse do vice-presidente João
Goulart, promovido a presidente da república com a renúncia do ex-presidente
Jânio quadros, em 25 de agosto de 1961. Nesse episódio os canhões do Forte
Copacabana dispararam com o Tamandaré, mas mira visava apenas demonstrar que o
general Lott não estava para brincadeira. O navio seguiu viagem, também sem
abrir fogo. O presidente deposto Carlos Luz, num gesto de sensatez, proibiu
Heck de responder ao fogo das baterias costeiras. Esses incidentes marca a
última vez que se deu um combate naval com fogo real na saída da Baia de
Guanabara, que conhecia guerras violentas desde os tempos das lutas contra os
franceses no século XVI.
O mesmo se repetiu, mas fracassou, na renúncia do
ex-presidente Jânio Quadros. Desta vez em sentido contrário, pois o chefe do
governo ao renunciar entregava o poder às forças derrotadas nas últimas
eleições. Deu no que deu: as forças que caíram com a renúncia de Jânio voltaram
ao governo em 1964 num golpe de estado sustentado por grandes manifestações de
rua organizados pelos cristãos fundamentalistas da Igreja Católica. Tal como
hoje as manifestações dos evangélicos? De certa forma, Jango representaria algo
parecido a um estelionato eleitora? Isto nunca dá certo, Collor e Dilma que o
digam.
A verdade é que nos “golpes” conduzidos por capitães do
Exército até hoje não deram tiveram êxito: O capitão de artilharia Siqueira
Campos, em 1922, com seus 18 do Forte, abriu fogo contra o centro da cidade do
Rio de Janeiro, com aqueles formidáveis obuses do Forte de Copacabana. Os
revoltosos acabaram abatidos na Avenida Atlântica, altura do Posto 3, onde está
a rua em homenagem ao temerário herói do chamado movimento tenentista; Em 1924
foi a vez do capitão Luís Carlos Prestes, com sua Coluna Invicta, que
deslocou-se pelo país durante dois anos sem conseguir abalar a estabilidade do
governo do presidente Arthur Bernardes, que cumpriu seu mandato até o último
dia. O mesmo Prestes tentou outra vez, em 1935, na famosa Intentona Comunista,
igualmente derrotada pelas armas das forças legalistas no combate da Praia
Vermelha, no Rio de Janeiro, e em Natal, no Rio Grande do Norte.
Em 1926, os tenentes do Exército, Nelson e Alcides
Etchegoyen, rebelaram um quartel em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e
enfrentaram as forças da Brigada Militar do estado, em Caçapava do Sul. No
combate do Seival, em que foi ferido o futuro ministro Oswaldo Aranha,
comandante da milícia gaúcha Os irmãos venceram a batalha mas perderam a
guerra, pois sem condições políticas, perderam a vantagem do êxito bélico e
tiveram de bater em retirada e se exilar no Uruguai. O tenente Alcides, anos
depois, já general, foi Ministro da Guerra.
Também foi um fracasso político, e posteriormente um revés
militar, o levante dos tenentes do Exército em Manaus, em 1932. Nesse golpe, o
tenente Alfredo Augusto Ribeiro Jr chegou a depor o governador do estado do
Amazonas. Contra atacado por forças legalistas, derrotado, entrou para a
História como mais um golpista frustrado.
A Força Aérea fez e desfez uma quartelada contra a posse de
Juscelino em outubro de 1955, o célebre levante de Jacareacanga, no Pará. sob a
liderança do major Haroldo Veloso (hoje denominação de uma rua no elegante
bairro dos Jardins, em São Paulo), que terminou com o recuo dos rebeldes para a
Bolívia, onde ficaram exilados por pouco tempo. Anistiado pelo presidente recém
empossado, JK, o tenente-coronel Veloso lidera rebelião de aviadores, desta
feita estabelecendo sua base no aeródromo de Aragarças, em Goiás. Nessa
tentativa de golpe os dissidentes criaram um tipo de movimento que depois ficou
muito popular entre os ativistas da esquerda trotskista, o sequestro de avião
de passageiro. Veloso e seus seguidores (dentre os quais o celebre tenente
coronel Burnier, tomaram em voo um quadrimotor Super Constelation da empresa
Panair do Brasil e levaram seus passageiros para a base aérea da Serra do
Cachimbo, no Pará, que hoje se denomina Haroldo Veloso. Objetivo do sequestro
era ter uma aeronave com autonomia de voo para alcançar algum aeroporto no
estrangeiro. O que de fato aconteceu, pois os rebeldes se exilaram em Buenos
aires.
Na Marinha, as tentativas de golpe de estado também deram em
nada. A começar pela célebre Revolta da Armada, em 1894, liderada pelo
almirante Saldanha da Gama, que pretendia derrubar o vice-presidente em
exercício, marechal Floriano Peixoto. A revolução padra restaurar a monarquia
fracassou, Saldanha da Gama morreu num combate terrestre em Santana do
Livramento no rio Grande do Sul, e Floriano foi cognominado “Marechal de
Ferro”.
Também na Marinha houve um levante, em 1910, de marinheiros
rasos, reivindicando mudanças no código disciplinar, padra eliminar os castigos
físicos abordo dos navios. O líder, marinheiro raso João Cândido Felisberto,
chamado de “Almirante Negro”, conseguiu sua reivindicação, mas acabou afastado.
Também com a participação de marinheiros, associados a
sargentos e suboficiais da Aeronáutica, houve a chamada Revolta dos Sargentos,
em 12 de setembro de 1963, contra o Supremo Tribunal, que negou posse anulou a
eleição de dois sargentos para a Câmara Federal. As praças tomaram a capital,
Brasília, prenderam altas autoridades, mas foram submetidos por tropas do
Exército. Mais um golpe de baixa patente fracassado. O líder, sargento Antonio
Prestes de Paula, pegou quatro anos de cadeia.
É uma longa história. Quem mais perde são as instituições
que abrigam os golpistas. Como foi na tentativa de golpe do Imperador Dom Pedro
I, em 1831. O resultado foi devastador para o Exército, pois a força terrestre
foi quase extinta, o Ministério da Guerra Esvaziado e o poder militar
transferiu-se para as lideranças políticas civis, que formaram a Guarda
Nacional, que respondia ao Ministério da Justiça, e foi hegemônica até a Guerra
do Paraguai, quando o Exército Nacional se recompôs para enfrentar o inimigo
externo.
Também ficou uma mancha na biografia dos três ministros
militares, Odílio Denys, Silvio Heck e Grum Moss, que, em 1961, tentaram dar um
golpe para impedir a posse de João Goulart, mas foram derrotados. Assim como em
1975, o ministro da guerra, Silvio Frota, tentou depor o presidente Ernesto
Geisel, sem êxito.
Um golpe sui generis foi o de 1945, que depôs o ditador
Getúlio Vargas, mandado para o exílio em sua fazenda de Santos Reis, no
município de Itaqui, no Rio Grande do Sul. Entretanto, mal deposto, Vargas
venceu a eleição, com seu candidato, Eurico Gaspar Dutra, justamente o general
que estava à frente do golpe de sua derrocada. Golpes à brasileira. Sem falar
de 31 de Março de 1964, que ainda está vivo no entender da oposição ao atual
governo.
Assim, esse o golpe de 15 de março próximo futuro, ainda
está no “pipeline”, como se diz no jargão do petróleo. Dutos secos, diria um
especialista. Teremos ainda muita água turbulenta rolando debaixo da ponte, até
as eleições municipais de outubro dizerem aos líderes do sistema qual a força
efetiva de cada um dos contendores. Então o bicho feio sai das sombras e se
mostra como uma alma penada a puxar os pés dos dorminhocos assombrados.
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