O presidente Jair Bolsonaro foi reconhecido pela revista
norte-americana The Atlantic como “o líder mundial do movimento de
negação do coronavírus”. Já a revista britânica The Economist chamou
Bolsonaro de “BolsoNero”, numa alusão à lenda de que o imperador Nero tocava
harpa enquanto Roma ardia em chamas. E o presidente brasileiro foi o único
chefe de Estado citado nominalmente pela The Lancet, uma das principais
publicações científicas do mundo, em editorial crítico às respostas de muitos
governos à pandemia, especialmente aqueles que “ainda precisam levar a ameaça
da covid-19 a sério”.
Assim, Bolsonaro, graças a seu comportamento irresponsável,
começa a conquistar um lugar jamais ocupado por um presidente brasileiro – o de
vilão internacional. Nem mesmo o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump,
idolatrado por Bolsonaro, persistiu em sua costumeira arrogância diante do
avanço dramático da epidemia, rendendo-se à necessidade de prorrogar o
isolamento social, mesmo ante o colossal custo econômico dessa medida.
Aparentemente, contudo, Bolsonaro não se importa de ser
visto como pária. Ao contrário: decerto feliz com a notoriedade global
subitamente adquirida, na presunção de que isso lhe trará votos, insiste em
desafiar abertamente as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS),
adotadas pelo Ministério da Saúde e por governadores e prefeitos de quase todo
o Brasil. No domingo passado, o presidente passeou por Brasília, visitando
zonas comerciais, pedindo que a vida volte ao normal e cumprimentando
simpatizantes que se aglomeravam em torno dele – escarnecendo, assim, de
reiteradas recomendações de seu próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique
Mandetta.
Como se isso não bastasse, Bolsonaro ainda postou em sua
conta oficial no Twitter vídeos e imagens que atestavam sua descarada
irresponsabilidade. Ao fazê-lo, conseguiu outra proeza: tornou-se o primeiro
presidente brasileiro a ter postagens suspensas pelo Twitter, por negar ou
distorcer orientações das autoridades sanitárias na luta contra uma epidemia. O
Twitter, aparentemente disposto a conter o vírus da desinformação, já havia
feito o mesmo em relação a postagens do senador Flávio Bolsonaro, filho do
presidente, e do chanceler Ernesto Araújo.
O temerário passeio de Bolsonaro por Brasília – apenas um
dia depois de o ministro Mandetta ter enfatizado a necessidade do rígido
isolamento social, pois, do contrário, “vai faltar atendimento para rico e para
pobre” – demarcou definitivamente a fronteira que separa o presidente do resto
do mundo civilizado. Bolsonaro hoje só governa o território habitado por seus
fanáticos devotos.
Nesse país de valentões, em que a ciência e a razão são
tratadas como inimigas, o presidente diz que “é preciso enfrentar o vírus como
homem, pô, e não como moleque” – e, no léxico bolsonarista, “moleque” é quem
defende quarentena contra a epidemia, para salvar vidas e evitar o colapso do
sistema de saúde. Já “homem” é ele, o presidente, que repta o bom senso e
escancara sua demagogia ao cogitar de acabar com o isolamento social por
decreto: “Estou com vontade, eu tenho como fazer, estou com vontade: baixar um
decreto amanhã” para permitir a volta ao trabalho de quem precisa “levar o
leite dos seus filhos, arroz e feijão para casa” – ou seja, todo mundo. Se
milhares de pessoas morrerem por falta de atendimento médico em decorrência
dessa irresponsabilidade, “paciência”, disse o presidente, pois, afinal, “um
dia todos vamos morrer”.
Não à toa, o governador de São Paulo, João Doria, pediu aos
paulistas que ignorem Bolsonaro: “Não sigam as orientações do presidente, ele
não orienta corretamente a população e, lamentavelmente, não lidera o Brasil no
combate ao coronavírus e na preservação da vida”. Já o ministro Mandetta,
desautorizado tão escandalosamente pelo presidente da República, pediu
paciência à sua humilhada equipe e, conforme apurou a jornalista Eliane
Cantanhêde, do Estado, citou para seus comandados o poema No Meio do
Caminho, de Drummond – aquele do verso “No meio do caminho tinha uma pedra”.
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