Duas decisões recentes, tomadas no âmbito do Ministério da
Ciência e Tecnologia e da Capes, órgão de fomento ligado à pasta da Educação,
aprofundam equívocos da administração Jair Bolsonaro a respeito da pesquisa
científica.
A primeira, publicada em portaria do ministério, estabelece
as áreas que deverão ser priorizadas, de 2020 a 2023, no que tange à alocação
de recursos para projetos.
A listagem contempla
apenas campos tecnológicos e aplicados, deixando de lado as ciências
humanas e sociais, bem como as ciências básicas. Se, no primeiro caso, o
documento apenas reafirma a notória repulsa ideológica do governo às
humanidades, no segundo revela-se uma visão estreita e mal informada do fazer
científico.
A ciência organiza-se numa espécie de linha contínua que vai
das áreas puramente teóricas àquelas voltadas estritamente à resolução de
problemas concretos. Ao privilegiar apenas as últimas, o ministério parece
ignorar a relação inextricável entre estas e as primeiras.
Tome-se a decifração da estrutura de dupla hélice do DNA,
ocorrida em 1953. Seria, à primeira vista, um típico caso de busca do
conhecimento pelo conhecimento. A descoberta, porém, tornou-se uma das bases da
biotecnologia moderna, com aplicações nas áreas de saúde e energia e nas
indústrias química e alimentar, entre outras.
As falhas da portaria se devem, talvez, à maneira como foi
elaborada, sem consulta à comunidade científica, como apontaram entidades em
carta ao ministério.
O mesmo expediente foi seguido nas mudanças
efetuadas pela Capes nos critérios de distribuição de bolsas de
pesquisa. Um mês após introduzir um novo sistema, a agência, de forma
inexplicável, alterou novamente as regras.
Agora, os programas podem perder até 50% das bolsas que
possuíam, ante o limite de 10% no regramento anterior. De um dia para o outro,
milhares de pós-graduações se viram com um número menor de bolsas do que o
esperado, com prejuízo não apenas para o planejamento anual como para os
estudantes que iriam recebê-las.
A iniciativa mereceu amplo rechaço, que incluiu o dos 49
coordenadores de área da própria Capes, bem como as associações universitárias
e as entidades científicas.
Somadas, ambas as medidas têm o potencial de desestabilizar
o sistema de pesquisa e pós-graduação erigido nas últimas décadas. Devem ser
revistas o quanto antes.
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