Um estudo inédito desmonta o maior argumento econômico da
ditadura de 1964: o de que houve um milagre. Não houve. Dois grandes estudiosos
mostram que 82% do crescimento da renda dos salários, nos primeiros anos do
chamado “milagre”, foi apropriado pelos 10% mais ricos. O estudo chega no
momento exato dos arremedos autoritários do presidente Bolsonaro exibidos no
meio de uma pandemia. Ele se comporta como se tivesse poderes ilimitados. Na
democracia não tem, felizmente. É bom que se desmonte mais um mito da ditadura:
o de que ela foi boa na economia durante os anos em que houve crescimento do
PIB.
Crescimento para quem? Foi isso que se perguntaram os
economistas Marcelo Medeiros, professor visitante da Princeton University, e
Rogério Barbosa, pós-doutorando da Universidade de São Paulo. A nota técnica a
que esta coluna teve acesso com exclusividade desmonta todo o mérito econômico
da ditadura. “Nossa principal conclusão até o momento é de que o crescimento de
1960 a 1970 foi altamente pró-ricos, com grandes parcelas da população tendo
perdas ou permanecendo praticamente estagnadas.”
Os militares insistiram ontem em reescrever a história. A
ordem do dia elogia a ditadura militar e repete o delirante argumento de que os
militares defendiam a democracia quando a golpearam. É cansativo, 56 anos
depois, ver as Forças Armadas se prestando a esse papel.
No domingo, depois do temerário passeio de Bolsonaro para
mostrar que não seguia orientações das autoridades sanitárias do planeta, ele
chegou ao Palácio e disse: “Eu estou com vontade, não sei se vou fazer, de
baixar um decreto amanhã…” O decreto seria para determinar a volta de todo
mundo ao trabalho contra as ordens dos governadores.
Perguntei ao ministro do STF Luiz Roberto Barroso se
Bolsonaro poderia baixar esse decreto. O ministro disse que “formalmente ele
pode”, mas que talvez o texto não prevaleça:
– A resposta à sua pergunta é: o presidente pode. O decreto
vai subsistir? Vai depender do que o Supremo decidir.
Isso porque a Constituição diz que quem planeja as ações
numa calamidade é o governo federal, mas em outro ponto diz que a saúde é um
direito. Em outro artigo diz que em saúde pública o poder é compartilhado entre
União, estados e municípios.
– As circunstâncias atuais do poder executivo federal
reavivaram dois princípios constitucionais que estavam esmaecidos: a federação
e a separação dos poderes, e deu protagonismo ao poder legislativo – disse o
ministro.
Essa é a beleza da democracia. Ela, contudo, é minada
diariamente pelo presidente da República, quando manda que se comemore essa
data funesta ou quando faz ameaças implícitas. Por isso é sempre bom derrubar
os mitos criados pelas mentiras sempre repetidas.
Cruzando mais dados do que os estudos anteriores, Medeiros e
Barbosa chegaram às seguintes conclusões até o momento: “1- O crescimento foi
altamente concentrado. Cerca de 82% de todo o crescimento foi apropriado por
apenas 10% dos trabalhadores. 2- O crescimento econômico entre 1960 e 1970 foi
pró-ricos. A economia os favoreceu desproporcionalmente e deixou os pobres para
trás. 3- Houve grande aumento da desigualdade de renda”. Esse último ponto já
havia sido registrado em pesquisas anteriores.
Na verdade, segundo o estudo, houve “recessão” para pelo
menos um terço dos trabalhadores e houve estagnação para 40% outros. “Somados,
70% dos trabalhadores não tiveram qualquer ganho.”
Por esse motivo, dizem os professores, “não é correto chamar
o período de ‘fase do milagre econômico da ditadura’. Uma expressão que
descreva melhor o período seria ‘fase do crescimento pró-ricos da ditadura”. Os
professores aprofundarão as análises dos períodos posteriores antes de concluir
o estudo.
Nos dias dolorosos que vivemos, a população tenta se
proteger de um inimigo mortal e perigoso, enquanto o presidente, um admirador
da ditadura, ensaia baixar decretos para tirar poderes de governadores e diz
sem qualquer simpatia à vida humana e em péssimo português: “Vocês acham que
morrerão gente com o passar do tempo? Morrerão”. Para mostrar que fala sério, o
governo fez ontem um teatro para mostrar que o ministro da Saúde, Luiz Henrique
Mandetta, fica no cargo, mas tutelado.
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