É nesse território sem fronteiras que o neopopulismo anda em
círculos e promove o alvoroço e um pandemônio de ataques virtuais. Para haver
populismo é preciso, obviamente, que em primeiro lugar exista uma parcela da
população a entronizar um governante autoritário. Bolsonaro ganhou de graça
essa posição, advinda do contingente de brasileiros desiludidos com o
lulopetismo. Tanto esses individuos, quanto aqueles que lhe fazem oposição, têm
de ser, no entanto, diuturnamente colocados em conflito. Mais uma vez, caímos
no universo obscuro das redes sociais.
O seu uso indevido, como faz o clã Bolsonaro ao criar no
terceiro andar do Palácio do Planalto o “gabinete do ódio”, com a finalidade de
disparar mensagens falsas e ataques a pessoas e Poderes da República, passa a
ser um fenômeno excessivamente preocupante. Estudo recente feito com
empresários e políticos nos EUA pelo Pew Research Center aponta que cerca de
50% dos entrevistados consideram que as redes sociais, se usadas na
instrumentalização da população, debilitarão as bases da democracia. E esse é o
governo Bolsonaro, sustentado por suas falanges da mentira e do ódio digital,
lembrando-se sempre que a mentira é imprescindível para que a própria
população, desorientada, realimente os conflitos, dando a chance para que o
“grande líder salvador” surja como mediador das situações que, na verdade,
tanto ele, quanto seus colaboradores diretos, provocaram. Raramente vê-se uma
foto de Orbán ou de Trump sem que eles estejam com um celular em mãos. Não é
outra a imagem que nos fica na mente em relação a Bolsonaro e seus filhos — o
capitão chega à sofisticação de ter um celular direcionado para o filho Carlos
e outro exclusivo para o filho Eduardo. O neopopulismo dos Bolsonaro, que já
está tomando ares de caudilho digital, tem um apetite descomunal e monstruoso.
Por meio de uma complexa estrutura de perfis falsos, robôs,
sites e blogs mantidos com recursos públicos e com milionárias contribuições de
empresários suspeitos também de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal, os
Bolsonaros comandam uma rede com mais de 50 milhões de indivíduos, a maioria
deles usados como milicianos digitais, para promover linchamentos virtuais,
manipulação de debates, cyberbulyings, destruição de biografias e ataques
rasteiros que não poupam nem mesmo os presidentes da Câmara, do Senado e STF.
Rede de intrigas
ISTOÉ mergulhou nas investigações da Comissão Parlamentar
Mista de Investigação (CPMI) das Fake News, integrada por membros da Câmara e
do Senado, e apurou que esse poderoso esquema das falanges do ódio virtual é
comandado por quatro cabeças, tendo o presidente Jair Bolsonaro à frente, com a
colaboração direta de seus filhos Eduardo e Carlos Bolsonaro,
o Carluxo, além do astrólogo Olavo de Carvalho. A CPMI concluiu que os quatro cavaleiros medievais comandam pelo menos setenta pessoas que já estão sendo investigadas pelos parlamentares das três frentes de averiguações que compõem a comissão. Um total de 153 pessoas foram convocadas a depor, mas agora os parlamentares se debruçarão sobre os mais ligados ao clã Bolsonaro. ISTOÉ teve acesso à maior parte da lista com o nome desses bolsonaristas, composta por pelo menos quatorze deputados federais — todos do PSL, antigo partido do presidente, mas que ainda abriga o deputado Eduardo e seus fiéis seguidores da extrema-direita como Daniel Silveira, Filipe Barros, Bia Kicis e Carlos Jordy. Todos esses deputados, que já estão sendo investigados pela comissão, deverão ser ouvidos. Além de Carluxo, Eduardo e Olavo serão chamados a depor na CPMI, mas ainda não há uma data marcada para os interrogatórios. Olavo, consultado, declarou que não deixará a Virgínia (EUA), onde mora, para prestar depoimento, mas a comissão pretende fazer um requerimento por via judicial, obrigando-o a comparecer à Câmara. O presidente Jair Bolsonaro, por prerrogativas do cargo, não deverá depor. O deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), coordenador da CPMI, diz, no entanto, que ele poderá ser responsabilizado por comandar a
rede de intrigas. “Talvez não possamos puni-lo, mas certamente poderemos desmascará-lo”, disse Frota, que, depois de fiel aliado dos Bolsonaros, transformou-se em um de seus adversários.
o Carluxo, além do astrólogo Olavo de Carvalho. A CPMI concluiu que os quatro cavaleiros medievais comandam pelo menos setenta pessoas que já estão sendo investigadas pelos parlamentares das três frentes de averiguações que compõem a comissão. Um total de 153 pessoas foram convocadas a depor, mas agora os parlamentares se debruçarão sobre os mais ligados ao clã Bolsonaro. ISTOÉ teve acesso à maior parte da lista com o nome desses bolsonaristas, composta por pelo menos quatorze deputados federais — todos do PSL, antigo partido do presidente, mas que ainda abriga o deputado Eduardo e seus fiéis seguidores da extrema-direita como Daniel Silveira, Filipe Barros, Bia Kicis e Carlos Jordy. Todos esses deputados, que já estão sendo investigados pela comissão, deverão ser ouvidos. Além de Carluxo, Eduardo e Olavo serão chamados a depor na CPMI, mas ainda não há uma data marcada para os interrogatórios. Olavo, consultado, declarou que não deixará a Virgínia (EUA), onde mora, para prestar depoimento, mas a comissão pretende fazer um requerimento por via judicial, obrigando-o a comparecer à Câmara. O presidente Jair Bolsonaro, por prerrogativas do cargo, não deverá depor. O deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), coordenador da CPMI, diz, no entanto, que ele poderá ser responsabilizado por comandar a
rede de intrigas. “Talvez não possamos puni-lo, mas certamente poderemos desmascará-lo”, disse Frota, que, depois de fiel aliado dos Bolsonaros, transformou-se em um de seus adversários.
Os bolsonaristas ainda não foram convocados porque diversos
deputados ligados ao PSL de Eduardo compunham a CPMI, como é o caso de Carlos
Jordy (RJ), Carol De Toni (SC), Filipe Barros (PR) e Carla Zambelli (SP). Mas,
com a retomada da liderança do PSL por parte da deputada Joice Hasselmann (SP),
eles serão substituídos por parlamentares que romperam com o presidente: Junior
Bozzella (SP), Nereu Crispim (RS), Delegado Waldir (GO) e Heitor Freire (CE).
Com essa composição, os bolsonaristas deverão sentar no banco dos acusados.
A CPMI comprovou que o perfil Bolsofeios era comandado
pelo chefe de gabinete do deputado Eduardo
De todos os suspeitos de integrar a rede de milicianos
digitais, o deputado Eduardo é o mais encrencado. A CPMI comprovou, por meio da
quebra do sigilo das contas das redes sociais usadas por seus assessores, que o
perfil Bolsofeios, com destaque no Twitter e com o qual até o presidente
Bolsonaro interage, era comandado por seu chefe de gabinete, Eduardo Guimarães,
o Dudu, que recebe salário mensal de R$ 15,6 mil, pago pelo povo. Ele comandava
essa conta por meio de seu celular privado, vinculada ao e-mail funcional na
Câmara, utilizando-a para ataques a adversários de Bolsonaro no horário de
trabalho. Portanto, com o uso de recursos públicos. Em outubro, a deputada
Joice Hasselmann (PSL-SP) já havia dito à ISTOÉ que o Bolsofeios, Bolsonero e
Snapnaro eram perfis fakes controlados por Eduardo, mas só agora, com a quebra
dos sigilos, é que a CPMI pode ter os documentos que demonstram a denúncia
feita pela atual líder do PSL na Câmara. Segundo Frota, Dudu Guimarães usava o
mesmo telefone e conta de e-mail da Bolsofeios para reservar passagens, hotéis
e alugar carros para o deputado Eduardo. “Está claro que o filho do presidente
valia-se de recursos públicos para liderar os linchamentos virtuais”, diz o
coordenador da CPMI. Mais: Eduardo faz interface com um grupo de outros treze
deputados do PSL que o obedecem cegamente e não escondem o compartilhamento das
ideias de extrema-direita. Alguns desses deputados, como Daniel Silveira, são
muito influenciados também por Olavo de Carvalho. A deputada Carla Zambelli (PSL-SP)
é outra fiel seguidora dos Bolsonaros. Ela é ligada ao Movimento NasRuas, que
ajudou Jair na campanha e agora está usando a estrutura da organização para
convocar os milicianos para o ato do domingo 15 contra o Congresso e o STF. O
presidente da CPMI, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), descobriu, com base na
quebra de sigilo da conta do Twitter identificada como Snapnaro, que o perfil
foi acessado por 45 gabinetes do Senado no ano passado, antes da denúncia de
Joice à ISTOÉ. Depois que a deputada revelou a conta fake, ela foi
desabilitada, mas o senador quer que a Polícia Legislativa identifique quais
gabinetes usaram esse perfil para disseminar mentiras.
Empresários financiam ataques
Esses deputados são seguidos por milhares de integrantes da
milícia digital dos Bolsonaros, publicando posts com ataques a jornalistas,
parlamentares ligados ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e senadores
alinhados a Davi Alcolumbre, presidente do Senado, além de ministros do STF,
como Dias Toffoli e Gilmar Mendes. O inquérito do STF aberto no ano passado
para investigar as fake news descobriu que empresários ligados a Bolsonaro
gastam até R$ 5 milhões por mês para financiar publicações no Facebook e no
Twitter para agredir a Corte, além de investir os recursos na convocação dos
atos marcados contra o Congresso e o Judiciário. As ofensas são patrocinadas
por empresários dos setores do comércio e serviços.
No inquérito sigiloso supervisionado pelo ministro Alexandre
de Moraes, esses empresários são suspeitos ainda de evasão de divisas, lavagem
de dinheiro e sonegação fiscal. O STF deve concluir a investigação até maio,
enviando-a ao MPF. Carluxo deverá ser chamado a depor nessa apuração como um
dos responsáveis por articular o “gabinete do ódio”, montando no terceiro andar
do Palácio do Planalto. É tão nítido que ele coordena essa facção que no
período em que seu pai foi para os EUA, Carluxo deu expediente diário nesse
gabinete para orientar os ataques feitos rotineiramente. Os políticos atacados
pelo grupo palaciano são retratados nos posts como inimigos do governo que
desejam implantar o parlamentarismo branco no País e seriam responsáveis pelo
Congresso não aprovar medidas que garantam a governabilidade. O que é mentira,
pois, não fossem Maia e Alcolumbre, a Reforma da Previdência não teria sido
aprovada. Os parlamentares bolsonaristas se valem da penetração de entidades
que defendem teses da direita, como o Movimento Brasil Conservador (MBC), Ação
Política Conservadora (CPAC), Movimento Acorda Brasil e Movimento Avança
Brasil, entre outros. Um desses grupos edita o jornal virtual “A Critica
Nacional”, pertencente ao empresário Otávio Fakhoury, de São Paulo, ligado a
Eduardo e à deputada Bia Kicis (PSL-DF). Esse veículo digital é usado para atacar
adversários dos Bolsonaros e disseminar teses da direita tão apreciadas pelo
presidente. Fakhoury tem como sócio o “professor” Paulo Enéas, outro conhecido
integrante da direita e que usa seus perfis na internet para difundir suas
teses, a partir dos ensinamentos de Olavo de Carvalho em seus cursos online.
Os parlamentares são seguidos por deputados estaduais, como
Ana Maria Campagnovo (PSL-SC), mas o principal núcleo desses colaboradores nos
estados está enraizado na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Um dos
deputados mais ativos na facção da Alesp é Gil Diniz (PSL), o Carteiro Reaça,
como é conhecido. Ele já foi assessor de Eduardo na Câmara e lá promoveu
esquemas de “rachadinha” no gabinete do filho do presidente, situação que ele
replicou na Alesp. Um de seus ex-assessores denunciou ao MP que era obrigado a
dividir seu salário com Diniz, que, segundo Frota, “é o Queiroz de São Paulo”.
Além dele, outro deputado ativo no grupo de Eduardo é Douglas Garcia (PSL), que
tem como braço direito Edson Salomão, seu chefe de gabinete. Salomão é homem de
confiança de Eduardo em São Paulo e um dos representantes da extrema-direita
bolsonarista. Todos eles estão interligados a outros grupos de direita, como o
Left Dex.
Difamação de jornalistas
Não menos importante é a facção liderada pelo blogueiro
Allan dos Santos, o Allan Terça Livre, que tem um canal no YouTube, páginas no
Facebook e contas no Twitter. Ele começou apoiando Bolsonaro na campanha quando
ainda mantinha estúdios em uma humilde garagem em Porto Alegre. Mas, depois que
o capitão elegeu-se presidente, Terça Livre foi levado para Brasília e hoje
mora em uma mansão no Lago Sul, sustentada com verbas da Secretaria de
Comunicação da Presidência (Secom), dirigida por seu amigo Fábio Wajngarten.
Allan é convidado a participar de todos os eventos do governo no Brasil e no
exterior, como a visita que Bolsonaro fez aos EUA na semana passada. O
blogueiro registra todos os atos do presidente e aproveita suas redes para
destruir pessoas escolhidas por Bolsonaro como inimigas, sobretudo jornalistas,
seu alvo predileto. Conta com a retaguarda do Jornal da Cidade Online (RS), que
reverbera seus ataques e destila o ódio da falange digital do clã Bolsonaro. No
ano passado, segundo a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão
(Abert), a mídia profissional sofreu 11 mil ataques nas redes sociais — sete
por minuto. A informação faz parte do relatório anual sobre violações à
liberdade de expressão.
O inquérito do STF descobriu que empresários ligados a
Bolsonaro gastam R$ 5 milhões
por mês para atacar ministros e suas famílias
por mês para atacar ministros e suas famílias
Todas as operações dessas facções da milícia digital
bolsonarista estão agora na alça de mira dos integrantes da CPMI das Fake News
e é possível que muitos sejam punidos. A coordenação da comissão espera que o
MPF, a PF, a OAB e outros órgãos de defesa do Estado de Direito possam usar os
documentos que estão sendo produzidos para a responsabilização dos arquitetos
dessa espantosa teia de intrigas montada a partir do Palácio do Planalto. Está
claro que o capitão reformado pretende se perpetuar no poder com a sustentação
dessa rede cibernética que, por mais paradoxal que pareça, é sustentada por
ideias medievais e muito mal tem feito à democracia brasileira. Afinal, nos
últimos dias, essa estrutura perniciosa tem sido usada para mobilizar os fiéis
seguidores a participarem do ato antidemocrático em que se pedirá o fechamento
do Congresso e do STF. O mais grave é que a Secretaria de Comunicação da
Presidência divulgou na conta oficial do governo no Twitter uma declaração de
Bolsonaro destacando a “legitimidade das manifestações populares”. O presidente
convidou para o ato por sua rede de WhatsApp, configurando uma infração ao
artigo 85 da Constituição, que regula crimes de responsabilidade. Por cometer
essa transgressão constitucional, Bolsonaro ficará suscetível ao impeachment.
Mas essa é outra batalha que será travada no Congresso.
A facção de Allan dos Santos
O blogueiro opera a partir de Brasília, onde instalou-se
em uma mansão localizada no luxuoso Lago Sul
>> @allantercalivre, como se identifica no YouTube e
no Twitter, faz transmissões diárias de todos os eventos do presidente, no
Brasil e no exterior, com despesas e cachês pagos pelo governo. Sua predileção
é atacar detratores de Bolsonaro, além de promover fake news e cyberbulyings
>> Opera em parceria com o “Jornal da Cidade Online”
(RS), especializado em ataques contra jornalistas
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