O Brasil pode entrar em recessão. É o que acham os
economistas Monica de Bolle, do Peterson Institute, e Armando Castelar, da
Fundação Getúlio Vargas. Monica defende o aumento do gasto público, como
resposta, desde que seja em investimento de infraestrutura com efeito
multiplicador.
Armando discorda e argumenta que elevar o gasto público pode
trazer mais desconfiança. Os dois concordam que o governo não tem projeto e que
o presidente Jair Bolsonaro é parte do problema com sua agenda de geração de
conflitos.
O mundo está dividido sobre qual é a melhor forma de
proteger a economia nesta crise provocada pelo coronavírus. O governo americano
reduziu a zero os custos sobre a folha de salários, o governo da Alemanha disse
que não é o caso de usar estímulos fiscais. É difícil saber por onde ir, mas é
fácil perceber que o caminho de Bolsonaro está errado. O presidente brasileiro
parece viver em outro planeta. Nas últimas horas ele subestimou a crise e, do
nada, inventou que houve fraude na eleição em 2018, que ele venceu.
Monica de Bolle disse que não se deve elevar gasto corrente,
porque o multiplicador é muito baixo. Por isso, recomenda que o governo inverta
a ordem da sua agenda. Deixe as reformas constitucionais para depois e coloque
na frente o plano de infraestrutura.
— Têm que ser projetos multiplicadores. O saneamento é
importante, porque o país precisa demais e movimenta a indústria do cimento e
da construção, mas eu acho que é preciso combinar com muita coisa na área de
logística, porque isso melhora as condições de escoamento e reduz o custo
industrial — diz.
A economista argumenta que só porque o governo Dilma usou o
BNDES da forma errada não se pode ter medo de, neste momento, usar o banco para
financiar projetos. Armando acha que as obras vão acontecer apenas se houver
melhora no ambiente de negócios.
— O que segura o investimento em infraestrutura é o ambiente
regulatório, a dificuldade de fazer projeto, de liberar licença ambiental, a
incerteza sobre prazos. Há muitos projetos bons, mas o governo não consegue
fazer a sua parte. O concessionário tem dificuldade de saber onde está
entrando. Ninguém quer saber mais de dinheiro do BNDES. O retorno sobre o
capital das empresas grandes está maior do que o custo de financiamento, mas a
incerteza é enorme — diz Armando Castelar.
O grande obstáculo hoje está nas confusões criadas pelo
governo.
— Quando se olha em volta, o que se vê é que haverá um
protesto contra o Supremo e o Congresso sem se saber bem por quê. O que está
travando a gente é isso. Brigar com um Congresso que quer fazer reformas só
aumenta a incerteza. É isso que está atrasando o crescimento, tanto é assim que
o investimento não se recuperou, está 28% abaixo do que estava há sete anos,
apesar de as empresas se financiarem a custos baixíssimos — diz Castelar.
Monica acredita que a reforma da previdência abriu espaço
para medidas de estímulo fiscal.
— Ela foi feita para isso e mudou a trajetória da dívida no
médio prazo. Outro fator de mudança foi a queda forte dos juros. Os juros podem
cair mais porque a inflação não vai subir nem com a alta do dólar. Existe
espaço fiscal. Ele não é imenso. Por isso, é preciso saber como fazer uma
política de estímulo. Aqui, nos Estados Unidos, está todo mundo falando em
recessão. Neste momento o governo não pode ser dogmático — diz Monica.
Nenhum dos dois acredita que basta fazer “as reformas”, que aliás
nem foram apresentadas. Armando argumenta que a tributária é importante, mas
ela produzirá muita incerteza até ser entendida. Ambos consideram a crise do
coronavírus gravíssima, e Monica avalia que no Brasil há pouca consciência da
sua gravidade:
— É uma variante da Sars, mesmo a mais branda pode trazer
sequelas pulmonares.
Na economia, esta crise tem canais de transmissão
diferentes. Em 2008, lembra Monica, houve paralisia nos mercados de crédito que
bateu nas empresas, e aí os governos injetaram liquidez.
— Desta vez está parando tudo. Manda todo mundo pra casa,
fecha universidade, fecha escola, fecha fábrica, fecha país — lembra Monica.
Do debate entre os economistas pode sair uma boa receita
para superar essa conjuntura tão diferente das outras. O problema é que o país
está enfrentando a mais complexa crise recente na mão do mais insensato dos
governantes.
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