Ele foi responsável por 10% da redução de desigualdade entre
2001 e 2015, e por tornar menos insuportável a pobreza de milhões – segundo
estudo do Ipea e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. É um
feito notável para um programa que custa menos de 0,5% do PIB. Principal
mecanismo de proteção de renda de informais e desempregados, o Bolsa Família
chega já em crise para atender à crise do coronavírus.
Ele custa um décimo do gasto com funcionários públicos, e
cerca da metade da isenção de lucros e dividendos que beneficia a elite que não
paga imposto de renda na pessoa física. Mas tem enfrentado cortes. As filas são
antigas: Temer conseguiu zerar, mas já à custa de exclusões. Elas voltaram, em
meio à recuperação econômica desigual.
No atual governo, o Bolsa Família recebeu um 13.º maldito.
Um pagamento adicional, promessa de campanha, seria louvável – desde que
houvesse orçamento adicional. Sem a complementação, o 13.º implicou exclusão:
famílias comprovadamente pobres ficaram sem receber nada para que outras
recebessem o pagamento adicional.
Para piorar a falta de complementação, os escassos novos
pagamentos de 2020 se centralizaram nas regiões mais ricas, apesar de filas
gigantes no Nordeste. É que o critério de concessão ignora completamente as
filas, e usa estimativas de pobreza baseadas no Censo de 2010. De lá para cá, o
País viveu a recessão de 2015-16, que afetou mais o Nordeste, quando a
recuperação favoreceu mais o Centro-Sul.
Por isso, dos 100 mil novos benefícios concedidos em
janeiro, Santa Catarina – com o menor desemprego do País – recebeu 6 mil, o
dobro de toda a Região Nordeste. O Piauí recebeu 86. Se 12% da fila catarinense
foi atendida, somente 0,1% da fila piauiense o foi. Três milhões e meio de
brasileiros esperam para receber os benefícios: já estão habilitados, o que
quer dizer que são reconhecidamente pobres.
Fisicamente, a fila do Bolsa poderia ocupar a distância
entre Brasília e São Paulo. Ela vem depois da renda dos 5% mais pobres ter
caído 40% entre 2014 e 2018 – segundo a FGV Social. É um risco político
desnecessário à agenda de reformas.
Já passou da hora da fila ser zerada: é inclusive
questionável que haja discricionariedade na concessão do benefício para quem já
está habilitado. Nos termos da Constituição, é prioridade absoluta assegurar o
direito à alimentação e à saúde das crianças – principais destinatárias do
programa.
Mesmo zerar a fila é pouco agora, porque o Bolsa é o
instrumento mais efetivo para repor a perda de renda da quarentena da epidemia.
Primeiro, porque não exige carteira assinada, podendo ser recebido pelos
informais. Até por essa focalização, é a despesa pública com maior
multiplicador conhecido em curto prazo sobre o consumo e o PIB. Segundo, porque
atende a crianças, um público que fica em insegurança alimentar quando as
escolas fecham.
Em terceiro lugar, porque dado o grau de incerteza da
evolução da epidemia, a resposta econômica à covid-19 precisa ser desejável por
si. Boas propostas de reforma do Bolsa Família já tramitavam desde o ano
passado. Elas miram a constitucionalização antifilas e o combate à pobreza
intermitente, flexibilizando as linhas duras para acesso ao programa (que
também desincentivam portas de saída).
O debate da sustentação da renda dos informais durante a
pandemia vai apresentar a muitos brasileiros a modéstia dessa rede de proteção.
O Bolsa Família paga benefícios de R$ 89 por mês, para as famílias que vivem
com menos de R$ 89 por pessoa (extrema pobreza). As famílias que estão “só” na
pobreza (menos de R$ 178 por pessoa) apenas recebem se tiverem crianças ou
grávidas. O valor é de R$ 41 por dependente, um milésimo do teto remuneratório
no serviço público.
O programa conta com capilaridade e expertise para ser usado
como instrumento importante contra a crise: só o seu estigma pode explicar os
que pedem uma nova transferência de renda para a pandemia. Mas ele precisa de
recursos. Hoje, de cada real do Orçamento, o Bolsa leva só dois centavos.
Defenda.
*Doutor em economia
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