Armínio Fraga acha que o país vai entrar em recessão, que o
governo deve aumentar o gasto público porque as leis que fixam limites de
gastos preveem espaço para quando há uma calamidade. “E para isso acho que não
deveria haver limites.” No Banco Central, algumas formas de estimular a oferta
de crédito foram anunciadas e o Ministério da Economia soltou um pacote que foi
quantificado como de R$ 147 bilhões, mas na verdade pouco desse valor é
dinheiro novo. No intenso dia de ontem, houve de tudo, inclusive o presidente
Jair Bolsonaro voltando a escalar nos ataques ao Legislativo, numa entrevista
de manhã.
O pacote de Paulo Guedes é insuficiente e ele sabe disso.
Tanto que avisou que voltará a anunciar novas medidas. No conjunto de ontem, há
as decisões de antecipação de pagamentos que o governo teria que fazer aos
aposentados e pensionistas, ou a trabalhadores de baixa renda. O 13º será pago
todo até maio, e o abono, até junho. Em outro lado das medidas, o governo
permite que o FGTS seja recolhido com atraso e adia também a parcela federal do
Simples Nacional. Isso não é dinheiro novo.
Para o economista Armínio Fraga, o país pode e deve aumentar
as despesas públicas para evitar o pior na área da saúde e na economia. Armínio
sempre fez parte do grupo de economistas que defende o controle fiscal. Mas agora
a situação é diferente, na visão dele. O país vai entrar em recessão e é
preciso foco no principal que é a política de saúde para tentar reduzir a
propagação do coronavírus.
— Está previsto na lei, em todas as leis, de
responsabilidade fiscal, do teto de gastos, todas preveem espaços para gastos
em situações de calamidade. Esta é sem dúvida uma calamidade. Penso que todo
gasto temporário que tem a ver com medicina, com reduzir o impacto social da
crise, o impacto nas empresas, muitas terão que fechar temporariamente, deve
ser feito. Cabe uma resposta muito enérgica, específica para esse caso. E para
isso acho que não deveria ter limite — disse Armínio.
Essa noção de que a crise tem uma dimensão sem precedentes
chegou nos principais países do mundo. O presidente Donald Trump, que sempre
desdenhou a ciência, estava ontem, compenetrado, dizendo que todo mundo “tem um
papel crítico a exercer” neste momento para “parar o avanço da transmissão da
doença”. Só o Brasil tem um presidente nesse grau delirante de irresponsabilidade
que Bolsonaro demonstrou nos últimos dois dias. Num dia, passeata com ataques a
outros poderes, no dia seguinte, entrevista em que ataca os presidentes do
Congresso.
O mundo está vivendo uma crise de duas cabeças. De um lado,
a da saúde, de outra, a economia, que está parando. Armínio lembrou que o mundo
está diante de uma crise raríssima. “Calamidade não acontece a toda hora.” Por
isso acha que é preciso ser tratado de forma rápida, técnica e firme. “E custa
dinheiro, não tem jeito.”
Perguntei a ele se 2020 pode ser considerado um ano perdido
na economia. Ele disse que “está com cara”. Por isso, neste ano talvez perdido,
é que ele recomenda mais gasto público:
— Um remédio tradicional, vamos dizer keynesiano, para a
recessão é reduzir juros, aumentar despesa. Parte dessa receita se aplica
agora, mas há uma urgência absoluta. É preciso atacar na veia. O investimento
de longo prazo é bom, mas não é o assunto do dia.
O governo anunciou ontem que mudará a meta fiscal, que é de
R$ 124 bilhões de déficit para ampliar as despesas, o que é considerado por
todos os especialistas como inevitável. Ao mesmo tempo, o ministro Paulo Guedes
ameaçou fazer um contingenciamento de R$ 16 bilhões caso não fosse aprovada a
privatização da Eletrobras até sexta.
O Brasil tem um problema extra no meio de toda essa crise.
As ameaças à democracia. E isso tem diretamente a ver com a economia. Mesmo
antes desta crise, Armínio disse que os ruídos provocados pelo governo têm
afastado investidores. Não basta, segundo ele, ter uma agenda liberal em meio
ao “obscurantismo” e à “falta de cuidado com temas relevantes como o meio
ambiente”:
— Acho impossível o Brasil se desenvolver plenamente sem
contar com uma democracia plena, vibrante, aberta, plural. E isso hoje está sob
ameaça. Não dá para medir as palavras. Esse é um período de resistência. As
instituições estão resistindo e os sinais recomendam não relaxar.
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