terça-feira, 17 de março de 2020

AUMENTO DE GASTOS E DEFESA DE VALORES

Míriam Leitão, O GLOBO
Armínio Fraga acha que o país vai entrar em recessão, que o governo deve aumentar o gasto público porque as leis que fixam limites de gastos preveem espaço para quando há uma calamidade. “E para isso acho que não deveria haver limites.” No Banco Central, algumas formas de estimular a oferta de crédito foram anunciadas e o Ministério da Economia soltou um pacote que foi quantificado como de R$ 147 bilhões, mas na verdade pouco desse valor é dinheiro novo. No intenso dia de ontem, houve de tudo, inclusive o presidente Jair Bolsonaro voltando a escalar nos ataques ao Legislativo, numa entrevista de manhã.
O pacote de Paulo Guedes é insuficiente e ele sabe disso. Tanto que avisou que voltará a anunciar novas medidas. No conjunto de ontem, há as decisões de antecipação de pagamentos que o governo teria que fazer aos aposentados e pensionistas, ou a trabalhadores de baixa renda. O 13º será pago todo até maio, e o abono, até junho. Em outro lado das medidas, o governo permite que o FGTS seja recolhido com atraso e adia também a parcela federal do Simples Nacional. Isso não é dinheiro novo.
Para o economista Armínio Fraga, o país pode e deve aumentar as despesas públicas para evitar o pior na área da saúde e na economia. Armínio sempre fez parte do grupo de economistas que defende o controle fiscal. Mas agora a situação é diferente, na visão dele. O país vai entrar em recessão e é preciso foco no principal que é a política de saúde para tentar reduzir a propagação do coronavírus.
— Está previsto na lei, em todas as leis, de responsabilidade fiscal, do teto de gastos, todas preveem espaços para gastos em situações de calamidade. Esta é sem dúvida uma calamidade. Penso que todo gasto temporário que tem a ver com medicina, com reduzir o impacto social da crise, o impacto nas empresas, muitas terão que fechar temporariamente, deve ser feito. Cabe uma resposta muito enérgica, específica para esse caso. E para isso acho que não deveria ter limite — disse Armínio.
Essa noção de que a crise tem uma dimensão sem precedentes chegou nos principais países do mundo. O presidente Donald Trump, que sempre desdenhou a ciência, estava ontem, compenetrado, dizendo que todo mundo “tem um papel crítico a exercer” neste momento para “parar o avanço da transmissão da doença”. Só o Brasil tem um presidente nesse grau delirante de irresponsabilidade que Bolsonaro demonstrou nos últimos dois dias. Num dia, passeata com ataques a outros poderes, no dia seguinte, entrevista em que ataca os presidentes do Congresso.
O mundo está vivendo uma crise de duas cabeças. De um lado, a da saúde, de outra, a economia, que está parando. Armínio lembrou que o mundo está diante de uma crise raríssima. “Calamidade não acontece a toda hora.” Por isso acha que é preciso ser tratado de forma rápida, técnica e firme. “E custa dinheiro, não tem jeito.”
Perguntei a ele se 2020 pode ser considerado um ano perdido na economia. Ele disse que “está com cara”. Por isso, neste ano talvez perdido, é que ele recomenda mais gasto público:
— Um remédio tradicional, vamos dizer keynesiano, para a recessão é reduzir juros, aumentar despesa. Parte dessa receita se aplica agora, mas há uma urgência absoluta. É preciso atacar na veia. O investimento de longo prazo é bom, mas não é o assunto do dia.
O governo anunciou ontem que mudará a meta fiscal, que é de R$ 124 bilhões de déficit para ampliar as despesas, o que é considerado por todos os especialistas como inevitável. Ao mesmo tempo, o ministro Paulo Guedes ameaçou fazer um contingenciamento de R$ 16 bilhões caso não fosse aprovada a privatização da Eletrobras até sexta.
O Brasil tem um problema extra no meio de toda essa crise. As ameaças à democracia. E isso tem diretamente a ver com a economia. Mesmo antes desta crise, Armínio disse que os ruídos provocados pelo governo têm afastado investidores. Não basta, segundo ele, ter uma agenda liberal em meio ao “obscurantismo” e à “falta de cuidado com temas relevantes como o meio ambiente”:
— Acho impossível o Brasil se desenvolver plenamente sem contar com uma democracia plena, vibrante, aberta, plural. E isso hoje está sob ameaça. Não dá para medir as palavras. Esse é um período de resistência. As instituições estão resistindo e os sinais recomendam não relaxar.
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