Um dos mais famosos “cases” da propagada brasileira é um
anúncio de bondes: “Veja, ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor
tem ao seu lado. E, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite, salvou-o o
Rum Creosotado”. O poeta Bastos Tigres levou a fama, mas a autoria seria do
farmacêutico Ernesto de Souza (1864-1928), criador da fórmula, que até hoje
serve de exemplo nas escolas de comunicação, por causa da simplicidade de seus
versos. De acordo com o anúncio publicado no jornal Correio da Manhã, de 8 de
agosto de 1920, a fórmula do Rum Creosotado, produzido pela centenária Drogaria
Granado, era mesmo aquela que aparece na propaganda, com “fartos elementos para
a hygiene dos pulmões”: iodo, hypophosphito de sódio (NaH2PO2), e de cálcio
[Ca(H2PO2)2]. Naquela época, como grande público tinha baixa escolaridade, os
versos e a ilustração facilitavam a propagação do anúncio boca a boca.
Seu principal concorrente era o Biotônico Fontoura, criado
em 1910 pelo médico Cândido Fontoura para sua esposa. Seu amigo Monteiro
Lobato, que tomava o produto para combater o cansaço, batizou a fórmula
exaltando suas propriedades e o nome do criador. O Biotônico ganhou muita fama
por causa da Lei Seca dos Estados Unidos (1920-1933), para onde foi exportado e
fez muito sucesso como remédio que podia ser comprado nas farmácias, mas que
servia para aliviar a abstinência dos beberrões, por causa do teor de 9,5% de álcool.
No Brasil, era usado como abridor de apetite das crianças, misturado com leite
condensado e ovos de pata, um coquetel antianêmico. Em 2001, a Anvisa proibiu
que produtos destinados às crianças tivessem qualquer quantidade de álcool em
sua composição, razão pela qual o produto foi modificado, ganhando os sabores
morango e uva, sem álcool, para as crianças. Rico em ferro, é vendido até hoje,
por R$ 26.
A propósito do tipo faceiro, ilustre passageiro ao lado, era
o caso do secretário de Comunicação da Presidência da República, Fábio
Wajngarten, que viajou aos Estados Unidos com o presidente Jair Bolsonaro e
seus familiares e está com coronavírus. Toda a comitiva presidencial —
parentes, ministros, assessores civis e militares, parlamentares — fez exames ontem
para saber se alguém mais foi contaminado. Fábio está em isolamento, depois de
fazer novo exame em São Paulo; o resultado da contraprova confirmou a infecção.
Bolsonaro, a primeira-dama Michelle e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP),
filho do presidente da República, fizeram o teste no Palácio da Alvorada,
residência oficial da Presidência da República, e não apresentam sintomas da
doença.
Desdenhar do coronavírus é a mesma coisa que acreditar que o
Rum Creosodato resolveria o problema dos pulmões, numa época em que a
penicilina não havia sido descoberta e, por isso mesmo, não existiam
antibióticos capazes de curar a tuberculose, e a pneumonia era quase fatal.
Essa suposição é alimentada pela baixa letalidade da epidemia (entre 0,5% e
3,5% dos infectados), que atinge grupos de risco (cardiopatas, diabéticos e
idosos). O problema é a velocidade da propagação da epidemia, que aumenta sua
letalidade por causa da incapacidade de o sistema de saúde atender o
crescimento exponencial de casos graves, que exigem entubação dos pacientes em
leitos de UTIs. Até a volta dos Estados Unidos, Bolsonaro tratava o assunto de
forma até leviana, comparando o coronavírus a uma simples gripe e culpando a
imprensa — sempre ela — pelo justificado temor que se disseminou na população,
o que é muito diferente de pânico.
Escolhas
Trata-se de uma escolha de Sofia (decisão difícil sob pressão e enorme sacrifício pessoal, como a vista no filme homônimo de 1982, que valeu a Meryl Streep o Oscar de melhor atriz), entre a redução das atividades da sociedade, principalmente as aglomerações e circulação das pessoas, com consequente redução da atividade econômica, ou o colapso do sistema de saúde, sem leitos, máscaras, tomógrafos, respiradores e outros equipamentos para quem precisa, provocando o aumento do número de mortos. A capacidade de reação dos países à epidemia é mais ou menos proporcional à envergadura de seu sistema de saúde, nível de esclarecimento da população e escala de medidas de contenção da epidemia por parte dos governos.
Trata-se de uma escolha de Sofia (decisão difícil sob pressão e enorme sacrifício pessoal, como a vista no filme homônimo de 1982, que valeu a Meryl Streep o Oscar de melhor atriz), entre a redução das atividades da sociedade, principalmente as aglomerações e circulação das pessoas, com consequente redução da atividade econômica, ou o colapso do sistema de saúde, sem leitos, máscaras, tomógrafos, respiradores e outros equipamentos para quem precisa, provocando o aumento do número de mortos. A capacidade de reação dos países à epidemia é mais ou menos proporcional à envergadura de seu sistema de saúde, nível de esclarecimento da população e escala de medidas de contenção da epidemia por parte dos governos.
O caso da China proporcionou aos especialistas da
Organização Mundial de Saúde (OMS) um estudo do comportamento da doença em
diversas regiões do país, que está servindo de paradigma para o enfrentamento
da epidemia, sobretudo depois do colapso do sistema de saúde da Itália, que é
um dos melhores do mundo. As ruas desertas das cidades italianas escondem o
drama terrível dos hospitais lotados, onde não se morre só de coronavírus, mas
de câncer, ataque cardíaco, traumatismo craniano, pneumonia e até gripes comuns,
por falta de leitos de UTIs.
O Brasil vai contratar 5 mil médicos pelo Programa Mais
Médico e direcionar 2 mil leitos de UTI para o tratamento de pacientes com
Covid-19 pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O secretário executivo do
Ministério da Saúde, João Gabbardo, em entrevista coletiva, revelou que o nível
de preocupação com leitos aumentou após registros dos casos na Itália. Ontem,
em Florianópolis (SC), prefeitos das capitais e das principais cidades do país,
se reuniram para discutir medidas de combate ao coronavírus. Ninguém se iluda,
o sucesso no combate ao coronavírus precisa de medidas governamentais
corajosas, dos prefeitos e dos governadores, para reduzir a velocidade de
propagação da epidemia e contê-la, poupando vidas.
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