A gripe espanhola, no final da primeira grande guerra, matou
perto de 50 milhões de pessoas. Seria algo como 220 milhões nos dias de hoje.
Por muitas razões, o que ocorreu naquele ano e meio de pânico global é muito
diferente do que vivemos hoje. Mas há lições a aprender.
A sugestão é do historiador americano John Barry, autor de
“The Great Influenza: The Story of the Deadliest Pandemic in History”, um dos
mais completos livros sobre a gripe espanhola.
Suas indicações focam os aspectos intangíveis da pandemia.
Não se trata do número de máscaras ou leitos hospitalares disponíveis, em que
pese tudo isso seja crucial.
Seu primeiro ponto diz que tendemos a desprezar o risco e
perder rapidamente o senso de disciplina que uma pandemia exige. “As pessoas
precisam assumir a responsabilidade e persistir. O fator decisivo é o esforço
voluntário e o comportamento individual”, afirma Barry.
Lendo isso pensei nas milhares de pessoas que mal saem de
casa, proíbem os filhos de frequentar o playground do edifício, mas não dispensam
a diarista de andar uma ou duas horas no transporte coletivo para chegar em
casa.
A segunda lição, sustenta Barry, é “dizer a verdade”. O
argumento é simples. A confiança é a base da ação coletiva, é disso que trata o
enfrentamento de uma pandemia. Confiar no que as autoridades estão dizendo não
resolve o problema, mas é o primeiro passo.
Decisões rápidas, informação clara e padronizada, envolvendo
o governo federal e os estados, fariam uma enorme diferença, mas desconfio que
não temos uma elite política preparada para isto. Quando o presidente diz que
vai manter sua festinha de aniversário, mesmo depois da patética atitude do
último domingo, temos um sinal nessa direção.
Nosso problema, no entanto, está longe de ser o que diz ou
deixa de dizer o presidente. O poder de informar está espalhado no mundo
digital, e a responsabilidade também é difusa. Cada um pode achar graça em
tirar uma lasquinha política com a crise ou fazer de conta que nada de mais
está acontecendo, mas a conta será paga por todos.
O desafio da ação coletiva é o mesmo no mundo político.
Rodrigo Maia acerta ao dizer que as pautas de combate à pandemia são
prioritárias no Congresso. As medidas emergenciais anunciadas até agora pelo
governo são tímidas, ainda que na direção correta. Mas esse não é o ponto.
A questão central é que será um enorme equívoco se o
Congresso, em nome da emergência, abrir mão de avançar, e com ainda mais
rapidez, nas reformas fiscais que o país precisa fazer.
A razão é que o país não tem espaço fiscal para fazer o que
deve ser feito para combater uma crise que está apenas se iniciando. É preciso
zerar a fila do Bolsa Família, ampliar o atendimento no sistema de saúde,
aumentar o investimento público em infraestrutura.
Não é exatamente esse o sentido da PEC Emergencial e dos
fundos públicos? Ou do plano Mansueto, de recuperação fiscal dos estados? A
verdade é que não há contradição entre a agenda emergencial e a agenda de
reformas, e aqui pouco importa se o protagonismo é do governo ou do Congresso.
A crise serve exatamente para que um novo patamar de consenso possa ser obtido.
O senador Mitt Romney propôs dar US$ 1.000 mensalmente a
cada cidadão americano enquanto durar a crise. O Brasil ensaia fazer algo nessa
linha, oferecendo um beneficio equivalente ao do Bolsa Família para quem não
dispõe de outro benefício público.
É muito pouco. A cara de um país quebrado. País que, mesmo
com uma imensa tragédia humana batendo à porta, teima em não fazer a lição de
casa que precisa fazer.
Vivemos uma situação inédita de emergência. Situações como
esta revelam o que somos de melhor e o que somos de pior. Nosso pior já
conhecemos. O bate-boca inútil, o ódio político, a procrastinação nas decisões
difíceis.
O melhor esperamos que o Congresso saiba fazer. Agir com a
responsabilidade e a capacidade de antecipação que o país requer nestes tempos
difíceis.
*Fernando Schüler, professor do Insper e curador do projeto
Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.
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