O debate em torno do Fundeb está em pauta no Congresso. Ele
não diz apenas respeito ao financiamento da educação brasileira, mas também à
definição sobre como se fará a gestão de nossas escolas. Isto é: como se fará
para garantir que o direito à educação básica, inscrito na Constituição, seja
efetivo.
Há temas que mereceriam especial atenção no parecer
apresentado pela deputada Professora Dorinha, relatora da PEC do Fundeb. Um
deles é a determinação de que no mínimo 70% dos recursos do fundo sejam
aplicados, nos estados e municípios, no pagamento de “profissionais da educação
em efetivo exercício”.
Mais do que criar um engessamento impróprio para um país
continental e diverso como o Brasil (como saber se daqui a dez anos, nos 5.570
municípios brasileiros, será esse o percentual requerido?), a redação parte da
premissa, que parece implícita no projeto, de que a oferta da educação básica
será necessariamente estatal.
Caso aprovada, teríamos uma contradição com o artigo 213 da
Constituição, que trata do uso dos recursos públicos para a educação. O parecer
sugere que o referido artigo trata a gestão via parcerias com o setor publico
não estatal (escolas filantrópicas, confessionais e comunitárias) como
“exceção”, e não como uma possibilidade aberta aos gestores das redes públicas
de educação.
Há um claro equívoco aí. As restrições estabelecidas pelo
constituinte para esse tipo de gestão por contratos são bastante precisas e
dizem respeito à natureza filantrópica, isto é, sem fins lucrativos, das
instituições. A condicionante mencionada no parecer, relativa à falta de vagas
nas redes públicas, diz respeito ao mecanismo de oferta de bolsas de estudo.
De modo resumido, a Constituição determina que modelos de
bolsas (ou “voucher”) são excepcionalidades. Parcerias e contratos de gestão
com instituições sem finalidade lucrativa são uma opção aberta aos gestores
públicos.
É este o sentido dado pelo artigo 213: recursos serão
destinados ao sistema A, podendo ser dirigidos ao sistema B. Fosse o contrário,
o constituinte o teria explicitado. Como ocorreu com a saúde pública. O artigo
199 da Constituição prevê que as instituições privadas poderão participar “de
forma complementar” do Sistema Único de Saúde.
No âmbito da educação, o modelo é misto, estatal ou não
estatal, desde que com escolas sem fins lucrativos. A questão central é saber
como essa escolha será feita. É com isso que deveríamos nos preocupar. Em saber
o que funciona, a partir do que a Constituição faculta, em vez de tentar fixar
a qualquer custo o monopólio deste ou daquele modelo de gestão.
Modelos de gestão evoluem através do tempo. O Brasil é
exemplo disso. Após a Constituição de 88, criamos a lei das concessões, em
1995; das organizações sociais, em 1998; das PPPs, em 2004, e ainda
recentemente instituímos o novo marco da sociedade civil, com a lei 13.019/14,
que permite um amplo espaço de colaboração entre setor público e o terceiro
setor.
Ou seja, o próprio ordenamento legal brasileiro evoluiu, ao
longo das últimas três décadas, gerando novas alternativas de gestão. Essas
alternativas são usadas hoje na saúde pública, área ambiental, social,
saneamento básico e virtualmente em todas as atividades que não integram as
chamadas funções exclusivas de estado.
Por que essas alternativas deveria ser excluídas, prima
facie, da educação? Com base em que evidência empírica? Não me parece que elas
viriam dos ótimos resultados que nosso modelo de monopólio estatal vem
apresentando, não é mesmo?
Congelar um modelo de gestão da educação pública no texto da
Constituição é um equívoco para o país. Garantia de direitos não é sinônimo de
execução estatal de serviços, nem o seu contrário. Precisamos estar abertos ao
que se passa no mundo, saber o que funciona, observar dados empíricos não
apenas na teoria, mas na prática.
Reescrever desse jeito a Constituição brasileira é uma enorme
precipitação. O Congresso deveria refletir sobre isso.
*Fernando Schüler, professor do Insper e curador do projeto
Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.
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