Por insanidade, egocentrismo, cálculo político, má-fé ou
tudo isso junto, na semana passada o presidente Jair Bolsonaro iniciou mais uma
guerra. Disparou tiros para todo lado, alguns fatais, como o afrouxamento do
isolamento social, outros nos seus próprios pés. Na tentativa de destruir
desafetos, acertou a culatra ao dar palanque nacional aos governadores de São
Paulo, João Doria, e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, pré-candidatos à
Presidência em 2022.
Com atuações determinadas, transparência de dados e entrevistas
diárias, ambos passaram a ser vistos como dirigentes lúcidos e preocupados com
a população de seus estados, em contraponto a um presidente egoísta, incapaz de
perceber que a vida vale mais do que a bolsa.
Embora cuidar da saúde e costurar saídas econômicas para
evitar o caos não sejam temas excludentes, o embate da semana insistiu em
antagonizá-los. Com ganhos expressivos para os 24 governadores que mantiveram a
decisão de obedecer às instruções da OMS de isolamento social (apenas três
deles – Mato Grosso, Rondônia e Roraima voltaram atrás).
Colheram ainda o endosso da Frente Nacional de Prefeitos,
que na sexta-feira enviou carta ao presidente Bolsonaro questionando as
dubiedades das recomendações do governo central. Os quase 500 prefeitos de cidades
onde vivem mais de 60% dos brasileiros querem saber se devem ou não suspender
as restrições ao convívio social, quais as bases científicas e os instrumentos
legais para fazê-lo, e se Bolsonaro assumirá o colapso do SUS depois de uma
eventual suspensão do isolamento. Afirmam ainda que, a depender da resposta do
governo, não restará alternativa senão recorrer à Justiça com “pedido de
transferência ao presidente da República das responsabilidades cíveis e
criminais pelas ações locais de saúde e suas consequências".
A manifestação dos prefeitos caiu no Planalto no mesmo dia
em que bolsonaristas comemoravam as várias carreatas realizadas em seis estados
e outras programadas para este domingo, em favor da reabertura do comércio.
Embora os carrões demonstrassem ser um ato de patrões, isso animou Bolsonaro a
dizer que são os próprios trabalhadores que querem voltar ao trabalho. “Esse
negócio de confinamento aí tem de acabar...Deixem os pais, os velhinhos, os
avós em casa e vamos trabalhar.”
Como faltou explicar ao entrevistador José Luiz Datena e ao
público do popular Brasil Urgente de que maneira os mais novos podem ir
trabalhar sem correr o risco de se infectar e transmitir o vírus para os pais,
os velhinhos e os avós, a insensibilidade do presidente mais uma vez se
escancarou.
Nem em sonhos Witzel e Doria contavam com tamanho impulso
vindo de tantos desatinos.
Sem concordâncias e maioria em seu próprio governo –
Bolsonaro admite que tem tentado convencer seus ministros a acabar com o
isolamento social –, o presidente dobrou a aposta. Dispôs de cerca de R$ 5
milhões para contratar, sem licitação, a IComunicação, para, entre outras
tarefas não explicitadas, divulgar a campanha “O Brasil não pode parar”. O
vídeo, derrubado ontem pela Justiça, rodou no Instagram, YouTube, Facebook e
Twitter.
Antes de virar slogan oficial contra o isolamento social, a
frase já havia provocado engulhos ao ser dita pelo empresário bolsonarista
Junior Durski: “O Brasil não pode parar por 5 ou 7 mil mortes”. O conceito
imita a campanha #MilãoNãoPara
(Milano non si ferma), lançada há um mês, quando a cidade italiana registrava
12 mortos e seu prefeito culpava o alarmismo da mídia pelo baque na economia
local. Mais de 4,4 mil mortes depois, Giuseppe Sala fez seu mea culpa.
Voz isolada no mundo, por aqui Bolsonaro metralha no sentido
inverso e, como o dono do Madero, desdenha da vida: “Infelizmente algumas
mortes terão. Paciência, acontece, e vamos tocar o barco”.
Nessa altura, até os que politicamente lucram com as sandices
diárias do presidente concordam com a urgência: o Brasil tem que parar
Bolsonaro.
Mary Zaidan é jornalista
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