O texto-base da proposta de reforma do sistema tributário,
em debate na Comissão Mista do Congresso, deixou de fora o que de fato querem
as empresas e os consumidores: a simplificação imediata, acompanhada da
progressiva redução dos tributos sobre o consumo, que oneram as famílias de
baixa renda. Isso é o essencial e jamais poderia ser sacrificado ou, pior,
agravado sob qualquer pretexto.
No ano passado publiquei neste espaço os motivos pelos quais
não poderíamos aprovar uma reforma tributária com os parâmetros das que estão
no Congresso. Se, por um lado, geram pressão regional para que se amplie a
elevadíssima descentralização das receitas da União, por outro, mitigam a
autonomia tributária dos entes federados. Sem mais nem menos, deixam de atacar
um dos principais problemas do nosso federalismo: a irresponsabilidade fiscal
dos governos subnacionais.
A proposta atual tem como base o texto da Câmara e prevê
dois pontos que estão na contramão do que deve ser feito. Reduz os impostos dos
bancos e causa um choque de preços e de renda nos demais setores, aumentando os
impostos sobre o consumo das famílias, com maior impacto nas de menor renda: um
total disparate!
Estima-se um aumento expressivo da carga tributária do setor
de serviços: educação, 211%; transporte, 59%; profissionais autônomos, 460%;
taxistas, 1.150%; dentre outros. Cabe destacar que esse é o setor que mais
emprega no Brasil e onde estão concentrados os empregos de baixas qualificação
e renda. Com esse aumento no custo dos serviços para a classe média haveria
redução da demanda e desemprego nas classes mais baixas. Em resumo, haveria
perda de renda para a classe média e desemprego nas regiões mais carentes. Como
consequência, essas regiões necessariamente recorreriam a novas transferências
compensatórias ou sobrecarregariam a assistência social e o seguro-desemprego.
Seria um erro obsceno permitir esses eventos
econômico-sociais no momento em que o País experimenta elevado desemprego
combinado com aumento da desigualdade de renda.
Há ainda o risco de aumento expressivo da sonegação fiscal
com o novo modelo no destino. Acontece que as economias de diversas localidades
consumidoras ainda são rudimentares, pautadas em serviços locais focados em
atender pessoas físicas com base na circulação da renda oriunda das
transferências. Não por menos, sua arrecadação também é precária, com baixa
capacidade de fiscalização. Ou seja, parte da renda repartida pelos produtores
com os consumidores poderia ser desperdiçada com o aumento da sonegação fiscal
nessas localidades, inclusive de receitas que seriam destinadas à União, que
também teria de promover aumento de alíquotas para compensar a perda global.
É preciso deixar bem claro: a proposta não simplifica de
imediato o sistema tributário, como vendem seus defensores. O essencial ficou
de fora! É fácil perceber que a transição de modelos envolve a convivência
conflituosa entre o sistema atual e o novo por pelo menos dez anos. Não é
preciso ser nenhum Ph.D. em sistema tributário para perceber que a complexidade
de dois sistemas (o novo e o atual) é maior que a de apenas um. Ademais, a
complexa e longa transição deixaria o novo modelo exposto a todo tipo de
atritos e pressões políticas por mudanças. Com isso, o modelo ficaria sujeito
ainda à insegurança jurídica decorrente da resolução de conflitos entre os
inevitáveis perdedores e ganhadores da nova arena.
Busca-se uma transição longa porque o novo sistema causaria
um enorme choque de preços entre os diversos setores produtivos e regiões do
País. Nessa transição, haveria certamente um aumento da carga tributária em
decorrência da elevação dos novos impostos, especialmente nos Estados e
municípios perdedores. Uma análise imparcial e desapaixonada da proposta de
reforma tributária em jogo nos leva a crer que também haverá de partida uma
ampliação dos custos da arrecadação tributária.
Este diagnóstico impõe ações para encontrarmos outros
caminhos para reformar nosso sistema tributário. Seu aperfeiçoamento depende de
um esforço amplo baseado num debate técnico. Evidente que isso requer grande
articulação e visão consensual entre o Executivo, o Congresso e os atores
econômicos, partindo dos problemas para as soluções.
Devemos buscar medidas de aperfeiçoamento graduais que
atendam às demandas da sociedade, que essencialmente são: simplificação
imediata do recolhimento de tributos; redução dos litígios tributários, com
diminuição da belicosidade e liberalidade do fisco; redução da sonegação para
maior justiça social; e redução da cumulatividade e da carga tributária global,
sobretudo dos tributos sobre o consumo que incidem desproporcionalmente sobre
os mais pobres. Tais medidas devem reconhecer o atual arranjo e atender à
grande maioria sem produzir perdedores.
Essa construção política ainda não se observa, não cabe no
prazo de 45 dias, apresentado pelo plano de trabalho da comissão mista e só
será possível se lideranças do Congresso e do Executivo promoverem o diálogo
necessário para avançarmos com clareza e determinação.
*Senador (PSDB-SP)
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