Já que o presidente Jair Bolsonaro vive sua realidade
paralela, os três Poderes declaram trégua e traçam ações comuns contra os
efeitos do novo coronavírus apesar dele. Com isolamento médico ou não,
Bolsonaro está se isolando dos demais Poderes e ontem não participou de uma
videoconferência de presidentes da América do Sul sobre a doença e a crise
econômica. Enquanto isso, o vírus vai se multiplicando dentro e fora do Brasil.
Presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo se reuniram
com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para ouvi-lo, traçar planos de
ação e contornar a fogueira política diante do problema maior. Foi Rodrigo
Maia, aliás, quem primeiro estendeu a bandeira branca, apesar de ter sido o
principal alvo do presidente e dos bolsonaristas no domingo.
Bolsonaro já disse que a crise é uma “fantasia”, uma
“histeria”, e considerou que tudo é “superdimensionado”, ora por “interesses
econômicos”, ora pela “luta pelo poder”. Das palavras aos atos, tirou a
máscara, deu de ombros para o Ministério da Saúde, abandonou o monitoramento,
não esperou o segundo teste e foi confraternizar com manifestantes em frente ao
Planalto.
“Se eu me contaminei, ninguém tem nada a ver com isso”,
disse ontem, mas não é bem assim. O problema não é apenas ele se contaminar, é
o risco de ter contaminado as 272 pessoas com quem teve contato, de acordo com
levantamento do Estado. E, depois, todo mundo tem muito a ver, sim, com a saúde
do presidente da República.
Ele não é uma pessoa privada, é a autoridade pública número
um.
O próprio ministro da Saúde classificou protestos e eventos
culturais neste momento como “completamente equivocados”. O governador Ronaldo
Caiado, um dos raros a apoiar Bolsonaro, foi vaiado por manifestantes em Goiás
ao lembrar, como médico, que “não se mostra apoio a governo colocando em risco
sua população”. Se eles queriam pôr a própria saúde em risco, problema deles,
mas sem o direito de pôr a dos outros. Cada contaminado tem poder de
multiplicação do vírus.
A reação de Bolsonaro à contaminação da saúde e da economia
tem sido errática, de quem não está entendendo nada nem parece muito
interessado. Na terça-feira passada, declarou que era “fantasia da grande
mídia”. Dois dias depois, deixou de ser fantasia e ele fez o primeiro teste e
uma live com máscara. Mais dois, tirou de novo a máscara e lá se foi,
sorridente, cumprimentar manifestantes contra o Supremo e o Congresso. Os
contaminados da sua comitiva aos EUA já chegavam a 12.
Diante da perplexidade de Rodrigo Maia e do senador Davi
Alcolumbre, abandonou de vez o vírus, a disseminação, a crise do mercado, a
previsão do PIB esfarelando para bater boca pela TV com os presidentes da Câmara
e do Senado. “Está em jogo uma disputa política por parte desses caras”, disse,
resumindo tudo isso a uma “luta pelo poder”. Vocês sabem quem são “esses
caras”.
Irritado, Bolsonaro disse que está “há 15 meses calado,
apanhando”, e vai passar a revidar. O curioso foi ele dizer que passou todo o
mandato calado, o que, absolutamente, não é verdade. E o mais intrigante foi
ele anunciar que vai atacar e antecipou os alvos: “Grande parte da mídia,
chefes do Legislativo e alguns governadores”. O mundo está em guerra contra o
novo coronavírus, mas o presidente brasileiro abre uma guerra particular contra
instituições e críticos.
Com o autoisolamento do presidente, são os ministros
Mandetta e Paulo Guedes, além de Maia, Alcolumbre e Dias Toffoli, do STF, que
vão ter de segurar a onda, ou o tsunami. Mandetta sobrevive bem, mas o conceito
de Guedes já foi melhor e o dos demais vem sendo sistematicamente atingido pelo
presidente, seu entorno e a tropa bolsonarista. Logo, salve-se quem puder!
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