Durante o fim de semana, Donald Trump mais
uma vez declarou que o coronavírus está perfeitamente sob controle, que
qualquer impressão em contrário se deve à "mídia das fake news" que o
persegue. Pergunta: alguém contou quantas vezes ele fez isso, em comparação com
a contagem que os checadores de fatos mantêm das suas mentiras?
Em todo caso, claramente atingimos o ponto em que as
garantias de Trump de que tudo está bem na verdade agravam o pânico, porque
demonstram a profundidade de suas ilusões. Enquanto ele tuitava elogios a si
mesmo, os
mercados globais estavam em queda livre.
Não importa a queda dos preços das ações. O melhor indicador
do colapso de confiança é o que está acontecendo com as taxas de juros, que
despencaram quase tanto e tão depressa quanto
na crise financeira de 2008. Os mercados estão prevendo implicitamente não
apenas uma recessão, mas vários anos de fraqueza econômica.
Em princípio fiquei tentado a dizer que nossa situação atual
é ainda pior que em 2008, porque pelo menos então tínhamos uma liderança que
reconhecia a seriedade da crise, em vez de descartar tudo como uma conspiração
liberal.
Quando você examina o histórico, porém, descobre que
conforme a crise
financeira se desenvolvia os direitistas também estavam em profunda
negação, inclinados a rejeitar as notícias ou atribuí-las a conspirações
liberais e/ou da mídia. Foi só nas etapas finais do colapso financeiro que as
autoridades caíram na real, e os analistas de direita nunca o fizeram.
Vamos viajar um pouco pela ladeira da memória.
A crise financeira de 2008 foi causada pelo colapso de uma imensa
bolha habitacional. Mas muitos na direita negaram que houvesse
qualquer coisa errada. Larry Kudlow, hoje principal economista de Trump,
ridicularizou os "cabeças de bolha" que sugeriam que os preços da
habitação estavam desalinhados.
E eu posso lhe dizer por experiência própria que quando
comecei a escrever sobre a bolha habitacional fui acusado incansavelmente de
politicagem: "Você diz que há uma bolha porque você odeia o presidente
Bush".
Quando a economia começou a escorregar, os republicanos da
corrente dominante continuaram em profunda negação. Phil Gramm, principal
assessor econômico de John McCain durante a campanha presidencial de 2008,
declarou que os EUA estavam apenas sofrendo uma "recessão mental" e
tinham se tornado uma "nação de chorões".
Até a falência do Lehman Bros., que atirou a economia em
plena fusão, inicialmente não abalou a negação conservadora. Kudlow saudou a
falência como uma boa notícia, porque indicava o fim dos socorros financeiros,
e previu a recuperação habitacional e financeira para "meses, e não
anos".
Espere, tem mais. Depois que a crise econômica ajudou Barack
Obama a vencer a eleição em 2008, os analistas de direita declararam que era
tudo uma conspiração de esquerda. Karl Rove e Bill O'Reilly acusaram a mídia
noticiosa de reforçar as más notícias para permitir a agenda socialista de
Obama, enquanto Rush Limbaugh afirmou que o senador Chuck Schumer causou a
crise pessoalmente (não pergunte como).
A questão é que a reação horrivelmente ilusória de Trump ao
coronavírus e suas teorias da conspiração sobre democratas e a mídia não são
realmente muito diferentes do modo como a direita lidou com a crise financeira
12 anos atrás. É verdade, na última vez a conversa maluca não vinha diretamente
do presidente dos EUA. Mas essa não é a distinção importante entre aquela época
e hoje.
Não, o que difere hoje é que a negação e o atraso resultante
provavelmente terão consequências mortais.
Não está claro, mesmo em retrospectiva, se as coisas teriam sido melhores se os direitistas tivessem reconhecido a realidade econômica em 2008. Anos de desregulamentação e fiscalização frouxa já tinham enfraquecido o sistema financeiro, e provavelmente era tarde demais para rebater a crise que se aproximava.
Não está claro, mesmo em retrospectiva, se as coisas teriam sido melhores se os direitistas tivessem reconhecido a realidade econômica em 2008. Anos de desregulamentação e fiscalização frouxa já tinham enfraquecido o sistema financeiro, e provavelmente era tarde demais para rebater a crise que se aproximava.
A negação do vírus, em contraste, desperdiçou um tempo
crucial —que poderia ser usado para desacelerar a disseminação
do coronavírus.
Pois o perigo claro e presente hoje não é tanto que um grande número de
americanos ficará doente —isso provavelmente aconteceria de qualquer jeito—,
mas que a epidemia avance tão rápido que sobrecarregue nossos hospitais.
Ao não instituir os testes generalizados desde o início, os
EUA garantiram que hoje existam casos por todo o país —não temos ideia de
quantos— e que o vírus se espalhe rapidamente. E mesmo agora não há pista de
que o governo esteja pronto para o tipo de medidas de saúde pública que
poderiam limitar o ritmo da disseminação.
Ah, e quando se trata da reação econômica, vale a pena notar
que basicamente todo mundo na equipe econômica de Trump estava totalmente
errado sobre a crise de 2008. Parece ser um requisito para o emprego.
A conclusão é que, assim como grande parte do que acontece
hoje nos EUA, a
crise do coronavírus não
tem a ver só com Trump. Sua inadequação intelectual e emocional e sua
combinação de megalomania com insegurança, certamente estão contribuindo para o
problema.
Algum dia houve um presidente tão obviamente inadequado para
o cargo? Mas ao se recusar a enfrentar fatos desconfortáveis, ao atribuir todas
as más notícias a conspirações sinistras, ele está na verdade apenas sendo um
homem normal de sua facção.
Em 2020 estamos reaprendendo as lições de 2008 —quais sejam,
que a direita nos Estados Unidos não consegue lidar com a verdade.
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Paul Krugman
Prêmio Nobel de Economia,
colunista do jornal The New York Times.
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