quarta-feira, 11 de março de 2020

TRUMP NÃO CONSEGUE LIDAR COM A VERDADE

Paul Krugman, Folha de S.Paulo
Durante o fim de semana, Donald Trump mais uma vez declarou que o coronavírus está perfeitamente sob controle, que qualquer impressão em contrário se deve à "mídia das fake news" que o persegue. Pergunta: alguém contou quantas vezes ele fez isso, em comparação com a contagem que os checadores de fatos mantêm das suas mentiras?
Em todo caso, claramente atingimos o ponto em que as garantias de Trump de que tudo está bem na verdade agravam o pânico, porque demonstram a profundidade de suas ilusões. Enquanto ele tuitava elogios a si mesmo, os mercados globais estavam em queda livre.
Não importa a queda dos preços das ações. O melhor indicador do colapso de confiança é o que está acontecendo com as taxas de juros, que despencaram quase tanto e tão depressa quanto na crise financeira de 2008. Os mercados estão prevendo implicitamente não apenas uma recessão, mas vários anos de fraqueza econômica.
Em princípio fiquei tentado a dizer que nossa situação atual é ainda pior que em 2008, porque pelo menos então tínhamos uma liderança que reconhecia a seriedade da crise, em vez de descartar tudo como uma conspiração liberal.
Quando você examina o histórico, porém, descobre que conforme a crise financeira se desenvolvia os direitistas também estavam em profunda negação, inclinados a rejeitar as notícias ou atribuí-las a conspirações liberais e/ou da mídia. Foi só nas etapas finais do colapso financeiro que as autoridades caíram na real, e os analistas de direita nunca o fizeram.
Vamos viajar um pouco pela ladeira da memória.
A crise financeira de 2008 foi causada pelo colapso de uma imensa bolha habitacional. Mas muitos na direita negaram que houvesse qualquer coisa errada. Larry Kudlow, hoje principal economista de Trump, ridicularizou os "cabeças de bolha" que sugeriam que os preços da habitação estavam desalinhados.
E eu posso lhe dizer por experiência própria que quando comecei a escrever sobre a bolha habitacional fui acusado incansavelmente de politicagem: "Você diz que há uma bolha porque você odeia o presidente Bush".
Quando a economia começou a escorregar, os republicanos da corrente dominante continuaram em profunda negação. Phil Gramm, principal assessor econômico de John McCain durante a campanha presidencial de 2008, declarou que os EUA estavam apenas sofrendo uma "recessão mental" e tinham se tornado uma "nação de chorões".
Até a falência do Lehman Bros., que atirou a economia em plena fusão, inicialmente não abalou a negação conservadora. Kudlow saudou a falência como uma boa notícia, porque indicava o fim dos socorros financeiros, e previu a recuperação habitacional e financeira para "meses, e não anos".
Espere, tem mais. Depois que a crise econômica ajudou Barack Obama a vencer a eleição em 2008, os analistas de direita declararam que era tudo uma conspiração de esquerda. Karl Rove e Bill O'Reilly acusaram a mídia noticiosa de reforçar as más notícias para permitir a agenda socialista de Obama, enquanto Rush Limbaugh afirmou que o senador Chuck Schumer causou a crise pessoalmente (não pergunte como).
A questão é que a reação horrivelmente ilusória de Trump ao coronavírus e suas teorias da conspiração sobre democratas e a mídia não são realmente muito diferentes do modo como a direita lidou com a crise financeira 12 anos atrás. É verdade, na última vez a conversa maluca não vinha diretamente do presidente dos EUA. Mas essa não é a distinção importante entre aquela época e hoje.
Não, o que difere hoje é que a negação e o atraso resultante provavelmente terão consequências mortais.
Não está claro, mesmo em retrospectiva, se as coisas teriam sido melhores se os direitistas tivessem reconhecido a realidade econômica em 2008. Anos de desregulamentação e fiscalização frouxa já tinham enfraquecido o sistema financeiro, e provavelmente era tarde demais para rebater a crise que se aproximava.
A negação do vírus, em contraste, desperdiçou um tempo crucial —que poderia ser usado para desacelerar a disseminação do coronavírus. Pois o perigo claro e presente hoje não é tanto que um grande número de americanos ficará doente —isso provavelmente aconteceria de qualquer jeito—, mas que a epidemia avance tão rápido que sobrecarregue nossos hospitais.
Ao não instituir os testes generalizados desde o início, os EUA garantiram que hoje existam casos por todo o país —não temos ideia de quantos— e que o vírus se espalhe rapidamente. E mesmo agora não há pista de que o governo esteja pronto para o tipo de medidas de saúde pública que poderiam limitar o ritmo da disseminação.
Ah, e quando se trata da reação econômica, vale a pena notar que basicamente todo mundo na equipe econômica de Trump estava totalmente errado sobre a crise de 2008. Parece ser um requisito para o emprego.
A conclusão é que, assim como grande parte do que acontece hoje nos EUA, a crise do coronavírus não tem a ver só com Trump. Sua inadequação intelectual e emocional e sua combinação de megalomania com insegurança, certamente estão contribuindo para o problema.
Algum dia houve um presidente tão obviamente inadequado para o cargo? Mas ao se recusar a enfrentar fatos desconfortáveis, ao atribuir todas as más notícias a conspirações sinistras, ele está na verdade apenas sendo um homem normal de sua facção.
Em 2020 estamos reaprendendo as lições de 2008 —quais sejam, que a direita nos Estados Unidos não consegue lidar com a verdade.
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Paul Krugman
Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.
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