Já antes do derretimento dos mercados, alguns analistas e
entidades – como a OCDE – alertavam para o risco de uma recessão global. Com
taxas de juros já baixas, e diante da natureza anormal da crise, estímulos dos
bancos centrais fariam pouco sentido. Restaria a política fiscal, mas muitos
países teriam chegado em 2020 sem espaço para gastar. Seria o caso do Brasil.
Então o que fazer?
O economista Chris Rupkey resumiu a dificuldade da política
monetária: nesta crise, cortes de juros seriam pouco efetivos para aumentar
gastos e investimentos. As empresas estariam atrás de liquidez: “Elas não
querem empréstimos e investir no futuro. Elas estão correndo para as
montanhas”. A economista-chefe da OCDE, Laurence Boone, avalia que o choque do
coronavírus não pode ser tratado somente pelos bancos centrais: “Ele tem
realmente de ser acompanhado por medidas fiscais”.
Algumas convergências aparecem nas primeiras análises sobre
o uso da política fiscal como remédio econômico para o coronavírus. Há papel de
destaque para o que aqui chamamos de Seguridade.
Uma 1.ª prescrição é óbvia: é preciso que haja recursos para
a saúde, inclusive nos entes subnacionais. Uma 2.ª é ampliar os benefícios
pagos aos trabalhadores que perdem renda com a crise, o que inclui os que
precisam ficar em casa. Uma 3.ª é dar fôlego às médias e pequenas empresas dos
setores mais afetados, por exemplo, com desonerações sobre a folha de
pagamento.
Estas são algumas das propostas de economistas do FMI. Os
diretores de assuntos fiscais do Fundo propõem expandir as transferências de
renda para grupos vulneráveis. Lembram que a China suspendeu temporariamente o pagamento
de contribuições previdenciárias das empresas, além de focar sua atuação nos
setores de transporte e turismo, mais afetados.
Igualmente, o presidente Donald Trump sugeriu desonerar a
folha de pagamento por um ano. Já Jason Furman, espécie de economista-chefe da
Casa Branca no governo Obama, propôs transferências de renda incondicionais aos
americanos.
A opção por usar instrumentos da Seguridade contra o
coronavírus nos Estados Unidos, Ásia e Europa contrasta com as primeiras
propostas que surgem por aqui, focadas no investimento público. De fato, obras
de infraestrutura têm grande capacidade de empregar trabalhadores. Contudo, não
parecem a melhor ideia no caso de uma pandemia.
Se é complicado executar o investimento público em situações
normais, pode ser mais complicado diante da incerteza da evolução do vírus
aqui. No norte da Itália ou em Wuhan, o esforço dos governos foi de manter os
trabalhadores em casa, não reunidos ao ar livre construindo pontes.
Nesse sentido, Douglas Holtz-Eakin, economista do governo
Bush, aponta para a dificuldade de elaborar medidas para uma crise que tende a
ser temporária, mas sem que se saiba a profundidade da queda e a sua duração (o
formato do “V”, no jargão). Ele defende que as medidas tomadas frente ao
coronavírus sejam aquelas desejáveis por si, não apenas pelo impacto que podem
ter por alguns meses.
Nessa lógica, a resposta ao coronavírus deve envolver as
propostas que fortalecem o combate à pobreza e forçar o governo a escolher as
prioridades da sua agenda. O Bolsa Família é a transferência mais bem
posicionada para conter a perda de renda dos trabalhadores informais, que não
têm poupança para consumir nem a proteção dos formais (como auxílio-doença,
seguro-desemprego, saque do FGTS, aviso prévio).
Seu efeito em curto prazo no consumo é maior do que qualquer
outro na folha de pagamentos do Tesouro. Neste momento, o programa se encontra
em crise: com mais de 3 milhões de brasileiros habilitados sem receber. A fila
se formou a despeito da modesta recuperação econômica, e as regras do governo
federal faz com que ela seja maior na região mais pobre do País (o Nordeste).
Propostas tramitam no Congresso fortalecendo o programa. O gasto pode ser
compensado pela redução do déficit da Previdência no funcionalismo (via a contribuição
extraordinária prevista na reforma da Previdência) ou redução dos salários (que
consta da PEC emergencial).
Já a desoneração da folha proposta pelo FMI e Trump e feita
na China é antigo objetivo do Ministério da Economia, mas que ainda não apresentou
essa proposta no âmbito da reforma tributária. Nos últimos dias, se discutia
compensar a arrecadação com o imposto de renda dos mais ricos (dá para fazer
por lei).
* Doutor em economia
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