O presidente Jair Bolsonaro trouxe um neologismo para a
sofrida língua portuguesa. Se não inventou a palavra, pode, ao menos, ser
considerado o divulgador do novo verbo escrotizar. Usou o vocábulo para falar
da escrotização de sua sogra, que respondeu a uma acusação de falsidade
ideológica por ter diminuído em 10 anos a idade nos seus documentos. “Fiquei
sabendo através de vocês também (jornalistas) que a mãe da senhora Michelle
cometeu um crime de falsidade ideológica. Se coloca em público isso daí para escrotizar,
para dizer que ela não tem caráter”. Ficamos sabendo através de Bolsonaro que
escrotizar é falar mal de alguém, é tornar torpe o que não é torpe, é ver
vilania e desonestidade onde elas não existem. É o que o presidente mais faz.
Bolsonaro reclama da imprensa, que disse a verdade sobre a
sua sogra, mas é um exímio praticante da arte da escrotização. O que ele mais
faz é escrotizar todo mundo que não esteja de acordo com ele. Observando o
presidente, notamos que seu dia-a-dia é dedicado a descobrir artimanhas para
escrotizar o País, que tem sido tão escrotizado nos últimos anos e vai ser cada
vez mais escrotizado daqui para frente. Essa escrotização nos lança numa lama
moral, num pântano onde nunca nasce uma flor. Bolsonaro escrotiza o Estado, a saúde,
a economia, os pequenos dramas humanos, a pesquisa científica e o coronavírus,
que ele chama de gripezinha em uma clara tentativa de escrotização. Poucas
pessoas têm a capacidade de escrotizar como Bolsonaro.
Bolsonaro tem escrotizado tudo que pode, quem ele não gosta,
as ideias com as quais não concorda ou que não entende, o sofrimento das
minorias, os quilombolas, os indígenas, os líderes de outros países ou qualquer
pessoa que não pense como ele. O presidente tem uma espécie de toque de Midas
da escrotização. Bolsonaro consegue até escrotizar a pandemia. “E daí? Lamento.
Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”, disse ele,
escrotamente, referindo-se ao recorde no número diário de mortes pela Covid-19
no País. Difícil pensar em um comentário mais escrotizante.
Ainda que não seja cordial, o brasileiro não é um povo que
gosta de escrotizar o próximo. O escrotismo não está em nossa base cultural,
não define nossa identidade. Somos evidentemente menos escrotizadores do que
Bolsonaro nos faz crer. Queremos tratar bem nossos velhos, nossos desvalidos,
nossos pobres, nossos ricos, queremos que todos tenham direito a um enterro
digno, inclusive nós mesmos. Somos um povo alegre, afetivo, empático,
solidário. Mas, de uma hora para outra, tudo ficou nebuloso, escrotizado. Dá
para entender. Bolsonaro tem o dom de promover a escrotização.
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