Bolsonaro pressiona
Receita Federal a perdoar dívidas de igreja evangélica
BRASÍLIA - O presidente Jair
Bolsonaro se reuniu na última segunda-feira, 27, no Palácio do Planalto com o deputado
federal David Soares (DEM-SP), filho do missionário R.
R. Soares, e com o secretário especial da Receita
Federal, José Barroso Tostes Neto. Segundo apurou o Estadão/Broadcast,
no encontro, a portas fechadas, o presidente cobrou uma solução para dívidas
tributárias que as igrejas possuem com o Fisco. Bolsonaro já
ordenou à equipe econômica “resolver o assunto”, mas a queda de braço continua
por resistência do órgão.
Um eventual perdão das dívidas traria prejuízo às contas
públicas. A Igreja Internacional da Graça de Deus, fundada por
R. R. Soares (com quem o presidente já se encontrou em outras ocasiões), acumula
R$ 144 milhões em débitos inscritos na Dívida Ativa da União – terceira maior dívida numa
lista de devedores que somam passivo de R$ 1,6 bilhão. A mesma igreja ainda
tem outros dois processos em curso no Carf, tribunal administrativo da Receita, que
envolvem autuações de R$ 44 milhões em valores históricos, segundo
apurou o Estadão/Broadcast.
As igrejas são alvos de autuações milionárias por driblarem
a legislação e distribuírem lucros e outras remunerações vultosas a seus
principais dirigentes e lideranças sem efetuar o devido recolhimento de
tributos. Embora tenham imunidade no pagamento de impostos, o benefício não
afasta a cobrança de contribuições (como a CSLL ou a contribuição
previdenciária).
Em um vídeo divulgado em redes sociais em outubro de 2016,
R. R. Soares aparece em um evento ao lado do ex-presidente da Câmara Eduardo
Cunha, hoje preso após condenação na Operação
Lava Jato, citando multas aplicadas às igrejas que chegavam a
R$ 600 milhões até 2014.
A Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo,
também tem seis processos em andamento no tribunal. Segundo apurou a
reportagem, existem ao menos 12 processos em âmbito administrativo na Receita
envolvendo impasse com igrejas.
A ordem do presidente foi recebida na área econômica como
mais uma tentativa de interferência do presidente em assuntos internos de um
órgão para atender o seu eleitorado. Na última semana, Sérgio
Moro deixou o governo acusando o presidente de exigir relatórios
de investigações sigilosas da Polícia
Federal e, como revelou o Estado, o Ministério Público Federal abriu inquérito para
apurar uma ordem de Bolsonaro para revogar portarias do Exército.
Tentativas de interferir na Receita já resultaram em
crises políticas. No governo Luiz Inácio Lula da Silva, a então ministra da Casa Civil Dilma
Rousseff foi acusada pela secretária do órgão Lina Vieira de
pedir para aliviar uma investigação que envolvia a família Sarney.
Lina deixou o cargo e Dilma precisou se explicar ao Congresso.
Não é a primeira vez que Bolsonaro tenta impor à Receita a revisão das multas
das igrejas. O ex-secretário da Receita Marcos
Cintra disse a interlocutores que não ceder a essa ordem foi um
dos motivos para ter deixado o cargo.
A pressão de Bolsonaro em favor das igrejas vem num momento
em que o presidente tenta aproximação com o Centrão, bloco de partidos que
reúne, entre suas lideranças, parlamentares ligados à bancada
evangélica, que tem 91 membros, segundo o Departamento
Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
O deputado David Soares preferiu não se manifestar sobre a
reunião com o presidente que constou em agenda oficial. “Isso aí é uma reunião
com o presidente, eu não tenho nada a declarar”, disse. A Igreja Internacional
da Graça de Deus não retornou até a publicação desta edição. O Planalto não
respondeu às perguntas enviadas à Secretaria de Comunicação. A Receita disse
que não se manifestaria.
Procurada, a Universal diz que “paga rigorosamente todos os
tributos que são devidos e, assim, não deve qualquer valor à Receita Federal”.
A igreja diz ainda que “questionamentos sobre eventuais autuações abusivas são
um direito dos contribuintes”. Não houve resposta sobre o valor das autuações.
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