Pode-se, às vezes, ter a impressão de que as fake news são
uma praga sofisticada, sendo muito difícil detectar sua origem, seus
financiadores e os interesses envolvidos. Mas não é isso o que se vê no Brasil,
ao menos em relação às fake news sobre política. Aqui, desde 2019, as
principais campanhas de desinformação são explícitas quanto às suas motivações
e mudam o alvo, de forma acintosa, de acordo com interesses bastante
específicos. Não há nenhuma casualidade na maioria das fake
news nacionais. Elas atendem recorrente e explicitamente aos interesses do
Palácio do Planalto.
Segundo informou a Coluna do Estadão, desde o
acirramento do embate do presidente da República com os Estados por causa da
pandemia da covid-19, cresceu exponencialmente a onda de fake
news contra os governadores. As mensagens têm circulado principalmente em
grupos de WhatsApp. Preocupados em desmentir as informações equivocadas, os
governos estaduais constataram haver uma propagação articulada, muitas vezes
com o uso de robôs.
Um dos principais alvos das atuais fake news é o
governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que chegou a receber ameaças em
razão das medidas que adotou para enfrentar a pandemia no Estado. O governo
paulista montou uma espécie de gabinete de crise para combater as fake
news.
“Nesta crise terrível, infelizmente, essa quadrilha, esse
gabinete do ódio, que atua espalhando fake news, resolveu intensamente se
voltar contra os governadores. Só servem para atrapalhar, com seus crimes e
delírios”, disse o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), também alvo de
ataques. Desde sua instalação, a CPMI das Fake News tem mostrado, de forma
bastante consistente, como atua esse “gabinete do ódio”, formado por assessores
especiais da Presidência, na difusão de fake news.
Antes dos governadores, no período que antecedeu às
manifestações do dia 15 de março, os alvos preferenciais das campanhas
de fake news eram o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e
o da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Incitando o ódio e sem maiores compromissos
com a verdade factual, as mensagens diziam que os dois atuavam contra as
reformas e as medidas do governo federal. Como é evidente para quem acompanhou
minimamente o cenário político nacional, o presidente da Câmara foi o maior
responsável pela aprovação da reforma da Previdência no ano passado.
Antes dos presidentes da Câmara e do Senado, foram alvos das
campanhas de fake news ministros do Supremo Tribunal Federal (STF),
especialmente o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli. A movimentação
difamatória contra o Judiciário ocorreu especialmente depois da decisão do STF
reconhecendo a competência da Justiça Eleitoral para julgar casos de corrupção
e lavagem de dinheiro conexos a crimes eleitorais.
Tal foi a intensidade dos ataques contra o STF que o
ministro Dias Toffoli abriu, em março do ano passado, um inquérito para
investigar “notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças
e infrações revestidas de animus
caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a
honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e
familiares, extrapolando a liberdade de expressão”.
No entanto, após decisão liminar do presidente do STF
suspendendo, em julho do ano passado, investigações que usavam dados do antigo
Coaf (atual Unidade de Inteligência Financeira – UIF), que beneficiavam o filho
mais velho do presidente, senador Flávio Bolsonaro, arrefeceu
significativamente a campanha virtual contra o presidente do Supremo.
Ressalte-se que a liminar de Toffoli tinha respaldo jurídico. O que chama a
atenção no caso é, mais uma vez, a afinidade entre as fake news e os
interesses do Palácio do Planalto.
É um verdadeiro escândalo, realizado em plena luz do dia,
sem nenhum pudor, esta sequência de campanhas de fake news contra
quem os inquilinos do Palácio do Planalto consideram seus inimigos. Muitas
vezes, o próprio presidente Bolsonaro compartilha essas mensagens. Diante desse
modo de proceder, que afronta o Estado Democrático de Direito, não cabem
transigências ou omissões.
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