Está ainda para ser escrito um estudo sobre o papel da
burrice na política brasileira. Comentaristas e historiadores sempre supõem que
um homem de Estado se move por estratégia e cálculo.
Os melhores instrumentos de análise podem se quebrar,
entretanto, quando confrontados com os atos de um verdadeiro energúmeno.
O presidente Bolsonaro nem precisaria ter feito aquele discurso.
Só a foto dele, com todos os ministros enfileirados, já vale por um atestado
clínico.
Qual o sentido de chamar todo o gabinete para ouvir, com
cara de pastel, aquelas explicações sobre a demissão de Moro? Só se reconhecia,
com isso, o tamanho da crise.
O presidente juntou Damares, Weintraub, Araújo, Mourão,
Guedes e companhia, como se estivesse anunciando um grande plano para o Brasil.
O que apresentou foi um discurso
disperso, patético, mentiroso e oco, incapaz de responder à única pergunta
que importava no momento.
Por que trocar o chefe da Polícia Federal?
Pela versão de Bolsonaro, tratava-se apenas de atender a um
pedido do próprio demitido. E, confessadamente, de pôr alguém na Polícia
Federal com quem ele pudesse se entender, sem interferências de Moro.
Reduzido ao seu ponto básico, o discurso de Bolsonaro é um
escândalo.
Mas o presidente é tão falto de inteligência que nem mesmo
percebe o que está dizendo.
Há burrices e burrices. Uma das que predominam, hoje em dia,
talvez seja efeito do Facebook e das geringonças digitais.
As imagens, as piadinhas e memes se sucedem com tanta
rapidez, que o sujeito perde a memória.
Presidentes como Trump ou Bolsonaro escrevem qualquer coisa
no Twitter, e no dia seguinte já não se lembram mais.
Abre o comércio, fecha o STF, usa a máscara, tira a máscara,
tanto faz. As falas de Bolsonaro se sucedem como disparos num estande de tiro
esportivo.
Pá, pá, pá. Aí o instrutor pega aquele cartaz com uma
silhueta humana para ver quantas balas chegaram ao alvo. Nosso herói nem mesmo
se interessa pela pontuação que obteve. “Acertei tudo, claro, está OK?”
No “está OK?” se esconde uma insegurança. Mas a insegurança
não se confunde com autocrítica. Estimula, apenas, uma nova rodada de disparos.
Junto com a falta de memória, surge a incapacidade de
distinguir entre o anedótico e o essencial. O discurso do presidente sobre a
demissão de Moro se perdeu, como é notório, em considerações sobre o
aquecimento da piscina, os feitos do “número quatro”, a certidão de nascimento
da sogra.
É claro, aquilo fazia sentido em sua argumentação —ele
queria dizer que foi investigado com base em suposições infundadas. Um advogado
talentoso organizaria o discurso nesse rumo, como quem demonstra um teorema.
Bolsonaro é incapaz disso; vai pulando de fato em fato, de
caso em caso, de anedota em anedota, como quem clica nas histórias do Instagram
ou vagueia num game tipo “GTA”.
É esse o comportamento mental do bolsominion típico.
Primeiro, ignora o sentido mais amplo de um fenômeno para se
aferrar a um detalhe de fácil compreensão.
Aparece um livro
sobre educação sexual, por exemplo. O bolsominion não leu, mas fica
sabendo que ali tem uma ilustração meio estranha. Será o pretexto para gritar,
espernear, denunciar o diabo a quatro.
Mas ninguém vive sem entender as coisas num contexto. Depois
de tirar um fato de seu contexto, o bolsominion terá de achar outro.
Aí entra o papel de alguma grande conspiração internacional,
que de tão “evidente” não tem como ser contestada.
Se alguém contestar, entra a terceira fase do processo.
Trata-se de rotular o inimigo: comunista, petralha etc. Os nazistas preferiam
falar em judeus. O tiro sempre “acerta”, porque o atirador é completamente
míope e confunde tudo.
Segue-se a fase autocongratulatória. Moro abandona o barco?
Não faz mal. Ele era falso; e nós estamos lutando “o bom combate”, como diz
Bolsonaro.
Se, apesar de tudo, vier o desmentido, o desastre, o vexame,
nenhum problema. Basta se esquecer do que foi dito e do que foi feito.
“Torturador? Eu?” Como assim?
Os próprios eleitores de Bolsonaro já se esquecem que
votaram nele. “Bolsonarista? Eu? Votei no Amoêdo.”
O bolsominion mente. Mas não tem a inteligência do mentiroso
comum. É tão burro que acredita na própria mentira; é otário até quando se
arrepende.
Marcelo Coelho
Membro do Conselho Editorial da Folha, autor dos romances
“Jantando com Melvin” e “Noturno”. É mestre em sociologia pela USP.
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