quarta-feira, 1 de abril de 2020

BOLSONARO CHORA; É PENA DE SI MESMO, NÃO DOS BRASILEIROS

Lúcia Guimarães, Folha de S.Paulo
Nos últimos dias, conhecidos que leram esta reportagem sobre o desafio à saúde mental na pandemia do coronavírus me procuraram para dizer que a conclusão tinha provocado um frio na espinha, não pela sorte dos americanos, mas pela dos brasileiros.
Conversei com uma renomada psiquiatra forense da Universidade de Yale sobre o comportamento de Donald Trump.
Este foi o comentário de Bandy Lee: "Quem não tolera a realidade é especialmente perigoso numa pandemia, algo que requer tanto esforço coordenado de prevenção".
estado mental de um presidente já seria um fator de segurança nacional em tempos de paz e relativa tranquilidade social.
Durante uma pandemia sem precedentes, comportamentos que apontam para desequilíbrio e distúrbios de personalidade tornam um líder no sistema presidencialista muito mais perigoso e letal.
E, aqui, temos a dupla ameaça continental. Jair Bolsonaro chorando no ombro de militares com pena de si mesmo, enquanto planeja friamente a morte em massa de brasileiros.
E Trump, consumido por cólera, acusado de pedir a fornecedores que não entreguem suprimentos médicos urgentes “àquela mulher”, a governadora democrata do estado de Michigan, Gretchen Whitmer, que ousou criticá-lo.
Há três anos, Bandy Lee entrou em choque com a Associação Psiquiátrica Americana (APA) por uma mudança, feita logo após a posse de Trump, na orientação ética para a opinião de médicos sobre a saúde mental de figuras públicas.
A APA alterou a chamada regra de Goldwater, que determina que um psiquiatra só pode dar um diagnóstico a uma figura pública se a examinar pessoalmente.
Lee afirma que a mudança foi política, e não médica ou científica. “Observar um comportamento incomum num líder, informar e educar o público sobre os variados tipos de desordem, não é o mesmo que diagnosticar um paciente,” diz a psiquiatra.
“No momento em que alguém se torna paciente, a regra para o médico é o sigilo absoluto.” Então, diz ela, a mudança da APA se tornou, na prática, uma mordaça para a classe médica, depois da posse de um presidente que dá sinais de instabilidade psíquica e neurológica.
“A APA não saiu atrás de médicos", lembra Lee, “que, com base na observação de grande quantidade de vídeos, sugeriram que o presidente sofre de uma leve forma de demência”.
Em novembro passado, o ex-médico da Casa Branca David Schneider, que tratou de Barack Obama por 22 anos, sugeriu que Trump demonstra em público sinais de ter pequenos AVCs, pela forma como, às vezes, luta para pronunciar certas palavras.
A Constituição americana tem a 25emenda, que permite a remoção de um presidente se o vice-presidente toma a iniciativa de declarar incapacidade física ou mental do chefe, acompanhado de pelo menos oito membros do gabinete. O vice assume imediatamente.
O presidente pode resistir e pedir um voto às duas casas do Congresso. Se dois terços não concordarem com o vice, o presidente recupera o cargo.
Depois de três anos de quebra-quebra em Washington, o Partido Republicano já deixou claro que não há limite para o comportamento de Trump capaz de causar alarme.
O subserviente vice Mike Pence aguarda apenas a manhã de 4 de novembro, seguinte à da eleição deste ano, para se lançar candidato em 2024, pouco importa o resultado das urnas.
A Constituição brasileira não tem nenhuma provisão para comportamento que sinalize distúrbio mental ou doença física num chefe de Estado.
O advogado paulista Acácio Miranda me explica que, historicamente, houve debates sobre o tema, no período de Jânio Quadros, que renunciou em 1961, e em 1985, quando Tancredo Neves entrou em coma e não pôde tomar posse.
Miranda é especialista em direito constitucional e diz que o comportamento errático de Bolsonaro só resultaria no seu afastamento através de impeachment por incompatibilidade com o exercício da Presidência.
“Mas mesmo assim,” diz o advogado à Folha, “estaríamos num território subjetivo, diante da presente Constituição.”
Em 2017, a psiquiatra Lee editou o livro "The Dangerous Case of Donald Trump" (o perigoso caso de Donald Trump), em que 27 psiquiatras e especialistas em saúde mental avaliaram o presidente com base no seu comportamento em público.
Lee lembra que participou de uma conferência de psiquiatras na Universidade de Harvard em que debateram o papel da profissão em denunciar sinais de risco no comportamento de Trump.
Um deles disse que nenhum dos pacientes privados que, de fato, havia diagnosticado oferecera tanta fartura de sintomas na forma de pronunciamentos públicos registrados em vídeo. Na mesma hora, conta ela, a maioria da plateia concordou.
Ao longo da conversa, Lee vai reiterando a distinção entre diagnóstico de um paciente e as observações que ela faz. Considera Trump a pessoa mais perigosa do planeta porque risco se aplica a situações concretas.
“Combina o status mental de uma pessoa com seu acesso ao poder”, diz. “Se Trump fosse um cidadão privado, não seria um risco para o país. Com seu acesso aos códigos nucleares, eu o considero o homem mais perigoso da história.”
Lee vê no comportamento público de Trump, “muito mais desinibido do que a média dos meus pacientes”, sinais de narcisismo patológico e sociopatia —esta não se trata de diagnóstico privado, como seria a demência.
Ela afirma que, por ser incapaz de demonstrar empatia, o presidente vê na pandemia uma oportunidade para se beneficiar.
Há dias, ele mandou um recado claro a governadores democratas: demonstrem gratidão em público. De acordo com analistas, foi uma forma de acumular sonoras úteis para anúncios da campanha de reeleição.
“Trump vê na pandemia do coronavírus, não uma crise humanitária, mas uma inconveniência que pode atrapalhar sua reeleição e dar prejuízos a suas propriedades”, diz a psiquiatra, especulando se o presidente pode tentar algo para perturbar o processo eleitoral.
“Não estou falando de possibilidades, mas de probabilidades”, conclui.
É mesmo difícil não temer que as observações da psiquiatra de Yale descrevam mais de um presidente.
Lúcia Guimarães
É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo. Colabora com o canal digital MyNews.
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