No início de março, quando o país ainda discutia problemas
menores, o deputado Eduardo Bolsonaro usou sua vocação diplomática para atacar
a colega Bruna Furlan. Após semanas de negociação sobre a partilha do
Orçamento, o Congresso havia mantido um veto presidencial por 398 a 2. Era uma
boa notícia para o governo, mas o filho do capitão preferiu ir para cima de
quem se opôs ao acordo.
“A senhora acha mesmo que os 57 milhões de brasileiros que
elegeram Jair Bolsonaro querem um presidente decorativo?”, provocou, atiçando a
milícia virtual contra a tucana. Um mês depois, o temor do Bananinha parece se
materializar.
Os fatos dos últimos dias reforçam a impressão de que
Bolsonaro deixou de governar. Na crise do coronavírus, uma junta de ministros
passou a tomar as decisões que importam. Enquanto os auxiliares trabalham, o
presidente se ocupa em animar a claque do Alvorada e esbravejar contra as
medidas de distanciamento social.
Na segunda-feira, o general Braga Netto assumiu o papel
simbólico de interventor. Recém-nomeado para a Casa Civil, passou a comandar
entrevistas diárias com grupos de ministros no Planalto. A maioria dos
participantes só faz figuração, mas transmite-se a ideia de que há alguma
coordenação no governo.
O general também ajudou a montar um cordão sanitário em
torno do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. O objetivo é impedir
Bolsonaro de demiti-lo às vésperas do pico da epidemia. Os ministros Sergio
Moro e Paulo Guedes, que não integram a ala sectária da Esplanada, juntaram-se
ao esforço de blindagem.
“Estamos sob orientação do ministro Mandetta”, disse Guedes
na terça. Dois dias depois, Moro também se contrapôs ao discurso do chefe. Sua
mulher, Rosangela, foi mais direta no recado. “Entre ciência e achismos eu fico
com a ciência. In Mandetta I trust”, ela escreveu, numa rede social.
No duelo entre o médico e o capitão, só restou a Bolsonaro o
apoio dos filhos. Governadores, parlamentares e ministros do Supremo se
alinharam abertamente a Mandetta. A opinião pública caminha no mesmo sentido.
Segundo pesquisa Datafolha, a maioria (51%) dos brasileiros acha que o
presidente atrapalha o combate à pandemia. A aprovação do ministro da Saúde
saltou para 76%, o que aumenta o custo político de mandá-lo embora.
O isolamento de Bolsonaro tem produzido situações
inusitadas. Na quinta, os presidentes da Câmara e do Senado ignoraram um
convite para encontrá-lo no Alvorada. Preferiram jantar com Mandetta, alvo da
ira do capitão. Na manhã seguinte, Rodrigo Maia tripudiou: “Ele não tem coragem
de trocar o ministro”. O capitão deve ter espumado de raiva, mas o médico
continua onde estava.
Apesar das aparências, Bolsonaro ainda é capaz de notar o
que acontece à sua volta. Na terça-feira, ele passou novo recibo de
esvaziamento. “O presidente sou eu!”, bradou. Há controvérsias. Para boa parte
do meio político, o capitão já está fora do jogo. Virou uma peça de decoração,
que poderá ser varrida do palácio quando a epidemia acabar.
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