quinta-feira, 30 de abril de 2020

DECISÃO NÃO É DE UM MINISTRO, MAS SIM DE UM PODER

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
A suspensão da posse do delegado Alexandre Ramagem na Polícia Federal, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, surpreendeu o mundo político, mas não é um fato isolado. Faz parte de um pacote de resistência do Supremo Tribunal Federal a um governo que acha que pode tudo, mesmo ultrapassando a linha do razoável. Em relação ao presidente Jair Bolsonaro, a disposição é de 11 x 0 quando se trata de temas relacionados a democracia e equilíbrio entre Poderes.
A nomeação de ministros e do próprio diretor-geral da PF é atribuição exclusiva de presidentes da República, mas Alexandre de Moraes – que foi secretário de Segurança Pública em São Paulo e conhece bem as polícias – recorreu a um princípio constitucional que vem se popularizando: o da impessoalidade e da moralidade pública.
Como delegado de carreira, não há reparo a Ramagem nem dentro nem fora da PF, muito menos no STF. O problema está nas circunstâncias: todas as credenciais dele se resumem à grande proximidade com Bolsonaro e seus filhos desde a campanha eleitoral de 2018, quando chefiou o esquema de segurança do então candidato do PSL. Ou seja: a suspeita é que Ramagem tenha sido escolhido não para trabalhar pela PF, mas para a família Bolsonaro.
Para reforçar a percepção, a nomeação veio no rastro da acusação do então ministro Sérgio Moro de que o presidente queria acesso direto ao diretor-geral, a superintendentes e a relatórios de inteligência da PF. Para, em tese, como muitos temem, poder manipular as informações a favor de aliados e filhos e contra adversários.
Nada contra o próprio Ramagem, mas, como Ernesto Araujo era “embaixador júnior” ao assumir o Ministério das Relações Exteriores sem jamais ter ocupado uma embaixada, ele foi nomeado para a direção geral da PF sem ter sido superintendente do órgão em nenhum Estado. A comparação de seu currículo com o do antecessor Mauricio Valeixo, demitido por Bolsonaro, é constrangedora.
O fundamental, porém, é que a decisão de Alexandre de Moraes tem respaldo dos seus pares de toga, atentos desde a inesquecível fase do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) – “basta um cabo e um soldado para fechar o Supremo” – e perplexos com o apoio explícito do já presidente Jair Bolsonaro a atos que pedem intervenção militar, com fechamento do Congresso e do STF.
Há na alta corte do País dois movimentos na mesma direção: a autopreservação e a garantia da democracia.
As sucessivas demonstrações do Judiciário têm a adesão da cúpula do Legislativo. A diferença é que o Supremo tem torpedos, mas o botão da bomba atômica – autorizar ou não um pedido de impeachment – está com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A ele, sobra uma nova alternativa: jogar parado. E, de preferência, calado. Afinal, batalhas têm sido inevitáveis, mas a ninguém interessa uma guerra. Resta esperar, agora, o contra-ataque de Bolsonaro.
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