Um manda, o outro não obedece
Quem um dia imaginou ver um ministro ameaçado de demissão
por excesso de apoio popular; um presidente da República que governa orientado
pelos filhos e divulga vídeos falsos; e um país às vésperas de um ataque de
nervos ao pressentir que logo atravessará um dos períodos mais sombrios de sua
história…
O presidente Jair Bolsonaro não seria culpado pela recessão
econômica que virá, o aumento do desemprego, o buraco nas contas públicas se
tivesse se comportado à altura do cargo. Como não se comportou, toda a desgraça
provocada pelo vírus lhe será atribuída – e, em boa parte com razão.
A situação do ministro Mandetta, da Saúde é inversa. Se a
desgraça produzida pelo vírus for pequena, mérito dele. Se for grande, não teve
culpa. Como poderia se sair melhor sem meios para isso e sabotado o tempo todo
pelo presidente da República? Mandetta irá para o céu. O destino de Bolsonaro
será outro.
Que governo esquisito, esse. Tem três ministros
indemissíveis no momento – Mandetta, Sérgio Moro, da Justiça e da Segurança
Pública, e Paulo Guedes, da Economia, o ex-Posto Ipiranga que sofreu um apagão,
mas que ainda está aí, embora parecendo perdido. E um presidente perfeitamente
demissível.
Mal militar no passado quando foi expurgado do Exército por
indisciplina e conduta antiética, tornou-se o pior presidente da história
recente do país com o apoio das Forças Armadas. Para Bolsonaro, isso não fará a
menor diferença. Ele quer é rosetar. Mas para a imagem das Forças Armadas será
um desastre.
“Ele tem um raciocínio de que tem todos os poderes na mão,
não é assim. Acho que é uma visão um pouco tosca do que seja a função de um
presidente”, observa Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República.
Bolsonaro mais atrapalha do que ajuda no combate ao vírus, segundo pesquisa
Datafolha.
De ontem para hoje, o país foi dormir sob o forte impacto da
revelação de que há confirmasdos mais de 9 mil casos de coronavírus, com 359
mortos até o momento. É como se dois Airbus 320, lotados, o avião mais usado
pela LATAM, tivessem caído nos últimos 15 dias matando todos os seus
passageiros.
Mandetta disse que médico não abandona paciente. Foi isso
que ele aprendeu. Mas para cuidar do Brasil, faltam-lhe os equipamentos médicos
necessários, kits para milhões de testes e a confiança do presidente que
prefere ouvir Jacaré a ouvi-lo. Jacaré é o amigo de Bolsonaro que lhe repassou
um vídeo falso.
A convivência entre Bolsonaro e Mandetta está por um fio que
poderá romper-se a qualquer instante. Bolsonaro, que nem para prestar primeiros
socorros serve, insiste em dizer tudo ao contrário do que Mandetta diz. O
ministro, por sua vez, desautoriza o presidente toda vez que fala. Não tem como
isso dar certo.
Por dever de obediência, no governo com mais militares por
metro quadrado, ministros de Estado batem continência para Bolsonaro. Mas por
dever de consciência e em legítima defesa das próprias vidas, escutam Mandetta
e fazem o que ele manda, com o devido cuidado de não melindrar um chefe tão
sensível e desatinado.
Essa situação não poderá durar até que o vírus esgote sua
colheita de vidas e de dores.
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