Parece haver consenso em torno da ideia de que o mundo será
outro depois da crise do Covid-19, não apenas porque a humanidade deu-se conta
de sua fragilidade, e da necessidade de solidariedade nas relações sociais,
como os problemas sociais, em maior ou menor escala, foram escancarados.
O capitalismo terá que rever conceitos, em busca de uma
economia mais sustentável e menos desigual. E mesmo as relações internacionais
serão alteradas, pois o mundo de repente despertou para uma realidade
preocupante: a China produz 90% dos equipamentos de saúde, criando um mercado
internacional selvagem de compra de produtos essenciais (máscaras,
ventiladores) em que o peso do dinheiro vale mais que vidas humanas em países
periféricos como o Brasil. Coisa parecida acontece em outros setores.
Os países, dos mais poderosos como os Estados Unidos, aos
mais vulneráveis, se deram conta de que dependem muito mais da China do que é
desejável, e terão que mudar suas relações geopolíticas, cuidando de setores
essenciais, não apenas a saúde, mas também estratégicos como a Defesa, o
Meio-Ambiente, a agricultura.
Ciência e Tecnologia tiveram suas importâncias realçadas
durante a crise, e a reação do presidente Bolsonaro às advertências dos
cientistas, tentando confrontar a doença primeiro com negacionismo, depois com
orações e jejuns, mostra bem como estamos ameaçados de um retrocesso profundo em
um setor que merece muito mais importância do que recebe e precisa.
O economista José Roberto Afonso, do Instituto Brasiliense
de Direito Público (IDP), um dos formuladores da Lei de Responsabilidade Fiscal
e, agora, do orçamento de guerra montado pelo presidente da Câmara Rodrigo
Maia, escreveu um artigo onde sugere que seja criado um “seguro destrabalho” ,
diante do fato de que o novo coronavírus só criou isolamento físico, pois já
existia o social e até econômico para enorme parcela da população brasileira,
que não tinha emprego e nenhuma proteção social.
José Roberto Afonso lembra que o Estado de Bem-Estar Social
(Welfare State), organizado no pós-guerra em torno de um elemento essencial, o
salário, já não reflete a realidade atual. Porque o emprego já deixou de ser
sinônimo de trabalho há alguns anos, e em todo o mundo, devido à revolução
tecnológica em curso.
Já Mariana Mazzucato, professora da UCL de Londres, no
International Media Call virtual do Forum Econômico Mundial, falou sobre o novo
papel do Estado, que ela espera ver surgir dessa crise mundial. Rebatendo a
ideia de que a crise de saúde, com suas consequências econômicas, mostrou a
necessidade de um Estado forte, ela diz que o que procura não é o Estado mínimo
ou máximo, mas o “Estado inteligente”:
“Não é apenas porque o Estado está tendo que intervir
maciçamente na economia que vamos mudar o conceito de fazer política econômica
no capitalismo”. Ela diz que o Estado tem que injetar dinheiro na economia numa
situação dessas, “mas temos que ver em que condições isso será feito”.
Precisamos montar uma economia mais sustentável, para que
não tenhamos novos problemas mais adiante. “Por exemplo, as companhias aéreas
que precisarão de dinheiro do governo têm que assumir o compromisso de reduzir
a emissão de gás carbônico. Empresas que serão auxiliadas têm que garantir os
empregos”.
Precisamos definir que tipo de instituições estatais nós
queremos. “As empresas privadas mandam seus executivos para o exterior para
fazer cursos de especialização, de gerência. Precisamos que os Estados atuem
com inteligência, organizando suas estruturas com uma visão mais ampla de sua
função dentro de um Estado moderno”.
Mariana Mazzucato acha que os Estados podem se reorganizar,
as empresas privadas têm que trabalhar com os organismos estatais para que o
país obtenha um resultado mais inteligente de seus setores. “O Estado tem que
atuar ativamente para coparticipar da criação do mercado, e não esperar que os
problemas aconteçam, e só então intervir”.
Para ela, essa crise não é desconectada do jeito que o
capitalismo produz o alimento que consumimos, e os produtos que usamos. “Está
diretamente ligada à crise climática. Precisamos criar uma simbiose entre os
setores publico e privado, para que a economia esteja preparada para a próxima
crise, que sempre virá”. (Amanhã, o “seguro-destrabalho”)
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