Na semana passada, o governo apresentou o plano Pró-Brasil.
Tratava-se do anúncio de uma agenda de investimentos públicos em infraestrutura
para o País. O plano foi duramente criticado por razões acertadas e outras não
tão acertadas assim. Entre as justificadas críticas estava o fato de o plano
consistir em não mais do que meia dúzia de slides sem qualquer detalhamento
sobre as áreas prioritárias para obras públicas. Foi citada a cifra de R$ 30
bilhões em investimentos públicos, que muitos sabemos ser insuficiente para
cobrir as inúmeras carências e os variados gargalos do Brasil. Mesmo assim,
houve quem tenha resolvido chamar o plano de Segundo PND de Bolsonaro, ou de
PAC do seu governo, numa clara tentativa de demonizar o investimento público.
O anúncio deu margem a respostas histriônicas da equipe
econômica, verdadeiros chiliques, por exemplo quando alguns de seus membros
disseram à jornalista Miriam Leitão que o plano era uma ameaça ao teto de
gastos e que, fosse o teto flexibilizado, muitos deixariam o governo. Talvez
seja a hora mesmo de buscarem a porta de saída. Afinal, a responsabilidade
desses indivíduos deveria ser com o País, e não com uma medida que sofre de
diversas falhas desde seu desenho original.
Em 2016, quando se iniciou a discussão sobre o teto, fui
favorável à ideia, mas não ao desenho. Nesse espaço e em outros veículos
discuti por que a formulação do teto brasileiro estava em completo desalinho
com a boa prática internacional e afirmei que mais cedo ou mais tarde
pagaríamos por isso.
Minha visão à época, como agora, era a de que o teto era
excessivamente rígido, não permitindo ao governo qualquer margem de manobra
para a adoção de medidas contracíclicas, quando necessárias. Antes de a
epidemia eclodir, alguns membros do Congresso já defendiam a flexibilização do
teto em prol de uma retomada mais forte da economia, para que saíssemos da
armadilha do crescimento de 1% ao ano. Há quem argumente que a sua adoção
acabou retirando financiamento do SUS, na contramão do que se falava em 2016.
No momento atual, ante a declaração de calamidade, o teto
tem um dispositivo que permite a abertura de créditos extraordinários, o que na
prática o suspende por tempo limitado. Formalmente esse tempo acaba no ano que
vem, quando ainda precisaremos sustentar a economia diante do cenário de
quarentenas intermitentes sobre o qual tenho falado.
No início de março, após a epidemia ser declarada pandemia
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e começar a derrubar mercados e
economias, disse em entrevista à Globonews que o teto precisaria ser
flexibilizado para acomodar o investimento público, fundamental não para o
enfrentamento da crise de saúde pública, mas para o que dela sobreviria. Alguns
reputaram estapafúrdia a ideia, embora naquele momento eu já enxergasse não
apenas o drama que hoje atravessamos, como também a crise crônica que haverá de
seguir à atual, mais aguda.
Mas, para além disso, a inclusão do investimento público no
teto de gastos é anacrônica do ponto da vista da experiência internacional.
Estudo publicado pelo FMI em 2015 mostra que há alguma variância entre os
diferentes tipos de tetos de gastos, mas todos tendem a excluir o investimento
público e/ou ter cláusulas de escape para a adoção de medidas econômicas,
quando necessárias.
Queiram os técnicos do governo ou não, o teto é
profundamente inadequado tanto para a fase aguda da crise de saúde e da crise
econômica quanto para a fase crônica que lhe seguirá. Teremos de continuar a
conviver com o vírus, e, por essa razão, tenho insistido que a recuperação será
volátil e lenta. Assim seria mesmo que não tivéssemos acrescentado aos nossos
problemas a atual crise política e institucional com a saída de Sergio Moro.
Dada a conjunção de crises e a dinâmica da economia brasileira, inevitavelmente
teremos de nos valer do investimento público durante a fase de reconstrução
econômica, pois o investimento privado não retornará tão cedo em situação de
volatilidade.
Para tanto é preciso pensar simultaneamente em três linhas
de frente: as prioridades para o investimento; o detalhamento dos projetos,
para que não tenhamos os fracassos vistos em governos anteriores; e a
necessária flexibilização do teto. A economia e a população brasileiras
precisam mais do que nunca que tabus sejam abandonados em prol do bem maior: a
atenuação da crise humanitária provocada pela epidemia e pela crise econômica.
O momento é de pensar seriamente o papel do investimento
público, como estão fazendo vários países mundo afora, e de lembrar que nossas
deficiências de infraestrutura não serão sanadas sem o envolvimento do Estado.
A falsa dicotomia entre Estado e mercado caducou. Viremos essa página.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for
International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
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