terça-feira, 28 de abril de 2020

NA PANDEMIA E SEM PLANO

José Casado, O GLOBO
Há quatro semanas, Jair Bolsonaro recebeu um esboço de plano para criação de 1.008.635 empregos nos próximos dois anos. Encomendara o projeto a assessores, militares na reserva, e aos ex-deputados Rogério Marinho (PSDB-RN), ministro do Desenvolvimento, e Onyx Lorenzoni (DEM-RS), da Cidadania.
Bolsonaro entregou o programa ao chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto. Atravessaria os próximos dois anos em campanha pela reeleição, inaugurando obras com 42 mil novos empregos a cada mês. A pandemia já delineava um cenário tétrico, com 200 mortes, mas ele se mantinha no modo ignorância desdenhosa: “Outros vírus já mataram muito mais”. Já decidira demitir Luiz Mandetta (Saúde) e Sergio Moro (Justiça).
Marinho e Onyx estavam ajudando-o a abrir as portas do governo a lideranças políticas notórias pelo clientelismo. Se reuniram com Paulo Guedes, da Economia. Sobraram divergências e ressentimentos, com excesso de acidez entre Guedes e Marinho. A “agenda única” escanteava Guedes, e invertia sua proposta liberal, impondo protagonismo ao Estado na saída da crise. Era uma rasteira no “Posto Ipiranga”, dada pelo presidente, sob o bastão de comando ao chefe da Casa Civil.
Guedes dissimulou em público com a passividade de monge budista. Assistiu, quieto, ao presidente comandar uma sessão de slides sobre 65 obras rodoviárias, 42 aquaviárias, 32 aeroportuárias e sete ferroviárias. No silêncio efervesceram conversas sobre sua demissão.
Ontem, Bolsonaro recuou. Guedes agradeceu-lhe a “confiança” e anunciou que tudo segue como antes. O presidente já colecionava 24 pedidos de impeachment, dois inquéritos criminais no Supremo e a caminho de um novo, por improbidade. Em três semanas o número de mortos pelo vírus subiu de 200 para mais de mais de 4.500 — mais de 2.150% no registro oficial. Ainda não há indício de que o governo tenha um plano, além do pandemônio político criado em plena pandemia.
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