Em circunstâncias normais, um subordinado que recebesse
críticas públicas como
as feitas por Jair Bolsonaro ao ministro Luiz Henrique Mandetta, da Saúde,
estaria a caminho da demissão. Até aqui, porém, é o presidente quem, aos
resmungos, abdica de governar.
A explicação, ou grande parte dela, encontra-se no que o
Datafolha mensurou entre 1º e 3 de abril: entre os brasileiros, 76%
aprovam a atuação da pasta comandada por Mandetta, ante 55% na
pesquisa realizada duas semanas antes.
Bolsonaro, que dedicou esse período à tentativa de sabotar
as orientações do ministério e das autoridades sanitárias de todo o mundo,
colhe 33% de avaliações positivas a seu desempenho na crise, basicamente o
mesmo patamar anterior (35%), enquanto a reprovação a seus atos foi de 33% a
39%, no limite da margem de erro.
Note-se que Mandetta —a quem, segundo o chefe, falta
reverência às batatadas presidenciais— limita-se a seguir, com boa capacidade
de comunicação, os protocolos fixados pela área técnica. Os momentos mais
difíceis da epidemia ainda estão por chegar, e o ministro pode ser questionado
pela alarmante escassez de equipamentos.
Ainda assim, a credibilidade que conquistou espelha a ampla
compreensão de que as duras medidas de confinamento social —aplicadas por
estados e municípios, atacadas pelo presidente— mostram-se, sim,
imprescindíveis agora. Não por acaso, recebem elevada aprovação as atuações de
governadores (58%) e prefeitos (50%).
A maioria (57%) também considera que o mandatário paulista,
João Doria (PSDB), acertou ao recomendar que a população não siga os palpites
de Bolsonaro.
Vive-se, assim, um momento insólito do presidencialismo
nacional. O chefe de Estado, cuja autoridade está desmoralizada na emergência
da pandemia, ainda preserva considerável capital político. Conta, tudo indica,
com o respaldo convicto de um terço do eleitorado, fatia não muito diferente da
que o rejeita abertamente.
Mais da metade dos brasileiros avalia que ele ainda tem
condições de liderar o país (52%, na margem de erro) e rejeita a ideia de um
pedido de renúncia (59%). A despeito do que podem dar a entender os panelaços
diários nas grandes cidades, o pior de seu desgaste se concentra em estratos
minoritários de maior renda e escolaridade.
Bolsonaro recolhe-se a um papel subalterno na crise, a
espalhar fake news, atazanar autoridades e convocar jejuns —e essa é a melhor
das hipóteses por ora. Conta com o senso de responsabilidade de terceiros para
que se faça o necessário. Se não impedir esse trabalho, mantém-se como um
problema a ser resolvido depois.
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