sábado, 4 de abril de 2020

UM INCONSEQUENTE NO PLANALTO

Carlos José Marques, ISTOÉ
Não é preciso junta médica para rapidamente atestar a incapacidade do mandatário no governo do País. Seus atos dos últimos dias respondem, por si só, sobre o grau de delinquência moral, intelectual e mesmo administrativa que atingiu à frente do Planalto. É deprimente e assustador perceber um chefe da Nação vivendo em realidade paralela diante da crise que se agiganta com o avanço do coronavírus, minimizando as consequências, totalmente entregue aos seus delírios políticos de poder, enxergando conspirações e fantasia onde prevalece o desespero social. Jair Bolsonaro entrou em distopia com os anseios nacionais, não atende, nem representa, qualquer expectativa de preservação da segurança e da estabilidade. Não zela pelos cuidados mínimos de seus cidadãos, desorientados em meio à pandemia. Não comanda a reação. Essa foi, aliás, transferida aos demais poderes e autoridades, em virtude da sua absoluta inaptidão, seguidas vezes demonstrada.
Em modo de negação, o Messias atribuiu a escalada da doença à mera histeria. Reclamou que ela estava sendo superdimensionada. Chegou a falar em complô dos chineses, como conspiração diabólica para levar vantagens econômicas. Recusou-se a discutir saídas com os demais líderes latino-americanos, se ausentando deliberadamente de uma conferência que reuniu os presidentes do Chile, Argentina, Uruguai, Equador, Peru, Paraguai, Bolívia e Colômbia — na prática quase todos, com a gritante falta do “mito” e do ditador venezuelano (duas faces do mesmo comportamento de sandices). Não por menos, os chefes do Legislativo e do Judiciário se reuniram no STF com representantes da saúde, o ministro Mandetta entre eles, para traçar uma estratégia de socorro nacional, sem a participação daquele que, por natureza do cargo e legado das urnas, deveria liderar.
Bolsonaro está isolado. Perdido em seus pensamentos. Vendo o prestígio pessoal agonizar em praça pública, escoando pelas mãos, dada a falta de postura e de atitudes dignas de um estadista que honre o nome. Ele se autoimpôs uma quarentena. Não aquela necessária, por motivos de saúde — que, aliás, lhe havia sido sugerida e ele a descumpriu para confraternizar com manifestantes. O afastamento do capitão é da realidade mesmo. Encastelado no poder, cercado por alucinações e fantasias, pensando mais em se reeleger do que propriamente em salvaguardar o povo, Bolsonaro não apenas fez pouco caso dos problemas que apareciam como ecoou negacionistas, atribuiu a “golpismos” as mobilizações das autoridades competentes e, irresponsavelmente, atiçou simpatizantes a protestarem e a pedirem o fechamento de instituições da República. Questionado sobre o risco que promoveu ao abraçar, tirar “selfies” e cumprimentar populares saiu-se com uma pérola de birutice: “Se me contaminei é responsabilidade minha”.
Deveria ser o primeiro a dar o exemplo. Mas grandeza de espírito não habita o decálogo de regras do capitão. Ao contrário. Falta-lhe discernimento, sobra egocentrismo. Ao menos 14 contaminados pelo coronavírus estiveram com ele durante viagem internacional e, sequer por um minuto, o capitão parou para pensar sobre a ameaça que representava como potencial vetor transmissor aos participantes da claque organizada em frente à residência oficial. Bolsonaro é, notoriamente, um incapaz para a gestão. Salta aos olhos. Movido por uma irresponsabilidade sem limites, flerta com o universo dos lunáticos. Dias atrás, quando a pandemia já assombrava o mundo, dedicava-se a afirmar, sem provas, que as eleições — na qual havia saído vencedor — tinham sido fraudadas. Tema errado, desprovido de embasamento, fora de hora.
Mais uma cortina de fumaça, um factoide para dispersar críticas pelo despreparo e entreter veneradores. Bolsonaro, costumeiramente, não apenas ataca a democracia como debocha dela. E ainda trata de imputar perigo direto a saúde pública. Ordens sanitárias não valem para ele. Vive de provocações pedestres, sem trégua, mergulhando o Brasil em um conflituoso “salve-se quem puder”. Aliados de outrora, parlamentares e juízes, já pedem abertamente a sua saída pela via do impeachment. Uma movimentação que não vem ao acaso. O anseio que cresce por seu impedimento político tem relação direta com a sucessão de crimes de responsabilidade que praticou, causando indignação geral.
Durante a última semana, panelaços voltaram a ser ouvidos das sacadas e janelas de prédios e casas, pedindo “Fora Bolsonaro”, do Oiapoque ao Chuí. No atropelo de atitudes estúpidas, Messias vai se consagrando como alguém indigno para o cargo, afrontando leis e promovendo algazarras enquanto mitiga o impacto da Covid-19, sem se preocupar com o bem-estar dos milhões de brasileiros. A rumar nessa toada, desperdiçando em asneiras o tempo que precisaria reservar para cuidar do que realmente interessa e é urgente, o mais adequado seria passar o bastão adiante. Para que se possa fazer dele o uso adequado em prol da coletividade. Inacreditavelmente, na contramão da lógica e do bom-senso, Bolsonaro apareceu como o único governante do mundo civilizado a menosprezar os riscos crescentes da pandemia.
Seu alterego e herói de cabeceira, Donald Trump, apontou que a Covid-19 ainda não está sob controle em nenhum lugar do planeta e disparou medidas firmes para contê-la. Vizinhos daqui e de demais continentes fecharam fronteiras, enquanto as hesitações emanavam de Brasília. A Suíça acionou a maior mobilização militar já vista desde a Segunda Guerra Mundial. Alemanha e Rússia, repetindo Itália, França e Espanha, fecharam as portas aos estrangeiros. A situação segue se deteriorando rapidamente, ainda sem prazo, enquanto as bizarrices do capitão se acumulam. Definitivamente, não está preparado para conduzir a Nação através de tempestades dessa magnitude. Ninguém deveria se enganar mais a esse respeito. Não é a toa que, transcorrido menos da metade do mandato, o clamor pelo afastamento teve início. Ele vem queimando sem parar os votos de confiança.
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