Não há dilema entre economia e combate à pandemia. É o
oposto. A economia reduz a atividade e tenta parar exatamente para evitar a
recessão maior. O economista André Medici, do Banco Mundial, especializado em
saúde, diz isso com números. A economia mundial pode encolher 4,9% no primeiro
semestre, mas se recuperar no segundo e terminar o ano com queda de 1,5%.
Se relaxar o isolamento, há mais risco de uma ressurgência do vírus e então o
tombo do PIB global será de 4,7%.
Ele elaborou os dados com base nos cenários da McKinsey e
Oxford Economic Analysis para este ano. O que vai acontecer segundo essas
grandes consultorias é a economia ter um baque forte no primeiro semestre. O
que elas dizem é que se houver um isolamento total – das atividades não
essenciais, evidentemente – o custo econômico será menor.
– A China terá uma queda de 3,3% no primeiro semestre, mas
termina o ano com um ligeiro negativo de 0,4%. Os Estados Unidos caem 8% no
primeiro semestre, mas a retomada do segundo semestre permitirá reduzir essa
recessão para 2,4%. A zona do euro sofre mais. Deve cair 9,5% no primeiro
semestre e depois reduzir essa queda para 4,4% – diz o economista.
Só que, segundo ele, depende de como as autoridades desses
países enfrentarão o desafio da pandemia em si. O que ele acha que dá certo é
parar agora ao máximo para reduzir o contágio e assim diminuir o risco e a
dimensão de uma segunda onda do vírus:
– É preciso o lockdown total por um tempo determinado
enquanto se criam mecanismos seguros para o retorno. Isso evitará ou mitigará a
ressurgência. Para se ter uma ideia, se errarmos agora e o vírus voltar com
força a recessão na China será de 2,7%, a mesma coisa nos Estados Unidos. A
zona do euro pode encolher 9,7%, e o mundo, ao todo, 4,7%.
Então para evitar um desastre maior da economia é preciso
exatamente parar a economia agora:
– Essa é a maior pandemia do século. A última que houve foi
a gripe espanhola que teve um enorme impacto, com 24 a 50 milhões de mortos,
25% dessas mortes na Índia. Aquele era um vírus que atingia principalmente a
população em idade de trabalhar. O novo coronavírus é muito contagioso. É por
isso que é preciso o lockdown. Se a parada for bem-sucedida a possibilidade de
ressurgência é menor, e a economia se recupera mais rápido.
Ele diz que é preciso pensar em duas coisas enquanto há o
isolamento social dos que puderem parar. A garantia do apoio econômico aos
trabalhadores que ficaram sem renda, para sustentar o isolamento, e a
estratégia para a volta segura ao trabalho. Médici contou que em Nova York o
governador permitiu a continuidade dos trabalhos de construção de casas
populares. Mas os trabalhadores não se sentiam seguros. Eles usavam máscaras,
luvas, toda a roupa de segurança, mas a dúvida é se no banheiro ou refeitório
poderiam se contaminar. As empresas então contrataram mais funcionários para o
serviço de higienização e as obras puderam continuar.
– Vamos ter que entender o comportamento do vírus e ao mesmo
tempo saber que tipo de proteção será possível para o negócio continuar. E os
negócios com mais riscos, pelo nível de contato entre as pessoas, não poderão
ser feitos. O lockdown é necessário mas é preciso pensar as saídas. Neste
momento, o lockdown é fundamental pelo nível de ignorância que nós temos sobre
a doença. Mas as informações vão avançar rapidamente. Há empresas pensando em
medicamentos biológicos e vacina – diz.
Ele diz que dois países o preocupam particularmente. A
Índia, pelo número grande de pessoas em cada casa, e o Brasil, pelos sinais
contraditórios dados pelo próprio governo, sobre como isso será enfrentado. Ele
tira o chapéu para o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, mas lamenta o
clima belicoso criado pelo presidente.
A vantagem do Brasil é ter o SUS, e ele recomenda aumento
forte dos gastos no sistema. Desde 2006, a OMS determinou que os países se
preparassem para emergências sanitárias. E foram criados vários indicadores de
avaliação.
– O Brasil é o melhor da América Latina. Está melhor que o
Chile, por exemplo. Mas nenhum país do mundo está 100% preparado. O que estamos
vendo na prática é que a maioria dos países não tem capacidade de resposta –
diz André Médici.
A travessia é perigosa, as escolhas, complexas. E o
presidente cada dia inventa uma briga. Ontem resolveu distorcer o sentido das
palavras do diretor-geral da OMS.
Com Alvaro Gribel (de São Paulo)
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