A ignorância é perdoável em muita gente que não tem
condições de se esclarecer sobre determinado assunto, hipótese que está
distante do mandatário. Quanto à irresponsabilidade, essa é dolosa, sobretudo
porque colocou em risco a saúde pública. Bolsonaro infringiu os artigos 267 e
268 do Código Penal Brasileiro, que tratam da propagação de epidemias e doenças
contagiosas, uma vez que, no domingo, ainda era dúvida se ele se infectara na
viagem aos EUA. Na noite da terça-feira 17, o presidente anunciou que o segundo
teste deu negativo. Não importa. Isso não o exime do absurdo de, quando permanecia
sob suspeição, ter ido à manifestação. Quanto a eventuais transtornos
psíquicos, talvez decorrententes do atordoamento diante de seu fracasso como
governante e também fruto do narcisismo frustrado, eles têm de ser clinicamente
avaliados. Então se saberá se o presidente pode seguir na função ou terá de ser
dela afastado. Uma saudável sugestão veio do jurista Miguel Reale Júnior,
ex-ministro da Justiça na gestão FHC e um dos autores do pedido de impeachment
de Dilma Rousseff. Reale deseja que o Ministério Público submeta Bolsonaro a
uma junta médica que dirá se ele tem ou não sanidade mental para o exercício da
Presidência da República. Segundo Reale, o capitão deve ser “considerado
inimputável” por ter participado da manifestação. Ou seja: estaria mesmo
comprometido mentalmente, tornou-se incapacitado e já não sabe o que faz.
Assim que retornou dos EUA e após um vaivém de informações
desencontradas, foi anunciado que o presidente testara negativo para
coronavírus, mas que uma contraprova seria necessária. Bolsonaro foi então
colocado em isolamento, por ordem médica, para sua própria proteção e proteção
da saúde pública, até que se completasse a chamada “janela imunológica” para a
realização de novo exame. Mas ele classificou o isolamento, que hoje ocorre em
todo o mundo como prevenção ou tratamento do coronavírus, como um “golpe”
político, em total desconexão com a realidade. Pensando dessa forma,
misturou-se aos manifestantes. O Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta,
condenou: “a orientação sobre aglomeração é ‘não’ para todos”. Vale citar um
número apurado pelo jornal “O Estado de S. Paulo”: Bolsonaro teve “contato
físico com duzentas e setenta e duas pessoas (…)”.
“O Ministério Público pode requerer um exame de sanidade
mental para o exercício da profissão”, diz Reale júnior. Na Assembleia
Legislativa de São Paulo, a deputada Janaina Paschoal, que também participou da
elaboração do pedido de afastamento de Dilma, foi definitiva: “esse senhor tem
de sair da Presidência da República, deixem assumir o vice-presidente, Hamilton
Mourão, que entende de defesa. Nosso País está entrando em uma guerra contra um
inimigo invisível”. A descompensação (termo técnico que significa incapacidade
psíquica de gerar uma resposta adequada) chegou ao auge quando Bolsonaro
declarou que “se o povo aparecer aqui, vou lá para frente de novo. Se me
contaminei, a responsabilidade é minha”. Sem retirar os olhos do próprio
umbigo, ele dizia “se me contaminei”, portanto é bom avisá-lo que é igual a
“responsabilidade” caso tivesse contaminado outras pessoas. Junte-se a isso as
informações que têm vazado de inadequação: o presidente teria chegado a
comentar com “acepipes” que o coronavírus é um plano estratégico do governo
chinês para recuperar economicamente o país. Nada a estranhar, se lembrarmos
que ele já deixou claro que o vírus é uma “fantasia” da mídia brasileira. Na
terça-feira, o descompasso aumentou: Bolsonaro anunciou que, nesse sábado 21,
“darei uma festa tradicional para comemorar o meu aniversário de 65 anos de
idade”. Ou seja, mais gente respirando, uma em direção a outra, a menos de dois
metros de distância.
EQUILIBRISTA EM QUEDA LIVRE
O capitão, convenhanos, ainda é novo para tantas ideias fora
do lugar, mas mesmo nelas descobre-se método (esse foi o mergulho na alma
humana que William Shakespeare fez em “Hamlet”). E, convenhamos também, método
é o que não falta na perseguição de Bolsonaro a Mandetta, o melhor quadro do
governo. O problema é o ego: como pode Mandetta cobrir-se de glórias e ele, o
“mito”, viver em vão a esmola-las? Como Mandetta atua em parceria com o
governador de São Paulo, João Doria, na construção de um plano de contingência?
Narcisista que é, Bolsonaro diz que sentiu-se “traído”. Claro que não dá para
demitir Mandetta, então o presidente passou a roer-lhe por dentro, e uma dessas
doidas doídas roídas foi desrespeitar as recomendações de isolamento. A
hipótese de que algo sombrio pode estar obnubilando a mente do mandatário ficou
pairando na coletiva que ele convocou: “nosso time está ganhando de goleada.
Então vamos elogiar o seu técnico, e o técnico se chama Jair Bolsonaro”. Para o
encontro virtual, que envolveu os presidentes da Argentina, Chile, Uruguai,
Equador, Peru, Paraguai, Bolívia e Colômbia, ele foi convidado mas se fez
representar pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e,
inacreditável, por… Mandetta. Tudo contraditório. E ofencivo: ao reconhecer que
há o vírus no Brasil, absurdamente o comparou com “gravidez”: “isso passa, um
dia a criança nasce”. Pelo amor de Deus, presidente, gravidez não é doença. Na
mente do paraquedista Bolsonaro, talvez sempre tenha existido um equilibrista
imaginário andando em um arame, sem rede embaixo. Agora, o presidente descobriu
que o arame arrebentou. Descobriu também que o equilibrista está em queda
livre. E que o equilibrista é ele.
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