O biólogo e escritor britânico Richard Dawkins, professor
emérito do New College da Universidade de Oxford — autor de O Gene Egoísta e
Evolução, entre outras obras —, num comentário no Twitter, chama a atenção para
um artigo da revista Science Magazine, da Associação Americana para Avanço da
Ciência (AAAS), intitulado Como o coronavírus mata?, publicado no dia 17 deste
mês. De autoria dos médicos Meredith Wadman, Jennifer Couzin-Frankel, Jocelyn
Kaiser, Catherine Matacic, é um dos melhores textos sobre a pandemia, segundo
Dawkins: “Se as pessoas na administração entenderem isso ou se importarem com
isso, haveria um resultado melhor para a sociedade”, avalia.
Tratar desse assunto pode parecer chover no molhado, pois
não se fala de outra coisa, mas o artigo realmente é muito bom. Ele faz um
relato de como o novo coronavírus ataca o corpo humano e seus efeitos
devastadores, “do cérebro aos pés”, ultrapassando o senso comum do diagnóstico
de que é apenas uma síndrome respiratória aguda. “Pode atacar quase tudo no
corpo, com consequências devastadoras”, segundo o cardiologista Harlan
Krumholz, da Universidade de Yale e do Hospital Yale-New Haven, que lidera
vários esforços para reunir dados clínicos sobre a Covid-19. “Sua ferocidade é
de tirar o fôlego e é humilhante.”
O artigo corrobora o relato dos sobreviventes da doença e o
testemunho dos médicos e de outros profissionais da saúde que atuam nas
unidades de terapia intensiva aqui no Brasil. Muitas vezes esses últimos são
duplamente derrotados: além de perderem pacientes, acabam adoecendo também e,
em alguns casos, até morrem. Já passou da hora de o presidente Jair Bolsonaro
ir a Manaus para ver o que é um colapso do Sistema Único de Saúde (SUS) em meio
à pandemia e parar de falar bobagens sobre a “gripezinha”. Tudo o que os
profissionais de saúde precisam neste momento dramático é de mais apoio
(equipamentos de proteção, respiradores, medicamentos) e distanciamento social.
Médicos e patologistas de todo o mundo estão lutando para
entender os danos causados pelo coronavírus no corpo humano. Embora os pulmões
sejam o ponto zero, o alcance do patógeno pode se estender a muitos órgãos,
incluindo o coração e os vasos sanguíneos, rins, intestino e cérebro, o que
explica a grande subnotificação do número de mortos, inclusive aqui no Brasil,
devido às dificuldades de diagnóstico e falta de autópsias.
A escalada
O vírus age como nenhum patógeno que a humanidade jamais
viu. Quando uma pessoa infectada expele gotículas carregadas de vírus e outra
pessoa as inala, o novo coronavírus (Sars-CoV-2) encontra um lar bem-vindo no
revestimento do nariz, cujas células são ricas em uma enzima conversora de
angiotensina 2 (ACE2), assim como na traqueia. Em todo o corpo, a presença de
ACE2, que normalmente ajuda a regular a pressão sanguínea, marca os tecidos
vulneráveis à infecção, porque o vírus entra nessa célula receptora. Uma vez
dentro, o vírus sequestra as máquinas da célula, fazendo inúmeras cópias de si
mesmo e invadindo novas células.
À medida que o vírus se multiplica, uma pessoa infectada
pode lançar grandes quantidades dele, principalmente durante a primeira semana.
Os sintomas podem estar ausentes neste momento. Ou a nova vítima do vírus pode
desenvolver febre, tosse seca, dor de garganta, perda de olfato e paladar ou
dores de cabeça e corpo. Se o sistema imunológico não repelir o Sars-CoV-2
durante esta fase inicial, o vírus marcha pela traqueia para atacar os pulmões,
onde pode se tornar mortal. Mas o vírus, ou a resposta do corpo a ele, pode
ferir muitos outros órgãos: cérebro, olhos, fígado, coração e vasos sanguíneos,
rins e intestinos.
Alguns médicos suspeitam de que o ataque vertiginoso do
coronavírus no organismo seja uma reação exagerada e desastrosa do sistema
imunológico conhecida como “tempestade de citocinas”, na qual os níveis de
certas citocinas sobem muito além do necessário, e as células imunológicas
começam a atacar tecidos saudáveis. Pode ocorrer vazamento de vasos sanguíneos,
queda de pressão arterial, formação de coágulos e falência catastrófica de
órgãos. Mas o pior dos mundos, com a presença de vírus no trato gastrointestinal,
pode ser a possibilidade inquietante de que ele seja transmitido pelas fezes,
ainda mais num país como o nosso, no qual somente uma parcela da população tem
esgoto tratado. A sorte, porém, é de que ainda não está claro se as fezes
contêm vírus infecciosos intactos ou apenas o seu RNA (ácido ribonucleico), uma
molécula responsável pela síntese de proteínas das células do corpo.
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