Jair Bolsonaro nunca foi contra a corrupção e nunca foi um
democrata. Mas usou a bandeira que estava em alta e foi eleito dentro das
regras da democracia. Os que acreditaram que ele era o melhor antídoto contra a
corrupção escolheram o autoengano. Os que apostaram que ele respeitaria as
instituições têm provas diárias de que erraram. A elite financeira que o
abraçou, os mais escolarizados que foram para a rua por ele, o juiz-símbolo que
o avalizou não podem mostrar surpresa. Na escala de valores de certos liberais,
mais importante é a promessa de liberdade econômica do que a proteção dos
direitos civis. Isso ficou claro na ditadura de Pinochet, quando o Chile
enterrava seus mortos e os jovens de Chicago comemoravam o trabalho que faziam
na economia.
A pior complicação é agora. Bolsonaro foi eleito na
democracia, mas não a respeita e conspira contra ela diariamente. A crueldade
extrema do presidente é escalar a tensão institucional quando o país atônito
tenta se concentrar no que fazer diante da pandemia que ceifa milhares de
vidas. Vivemos uma conjuntura em que o presidente da República torna muito
maior o peso que recai sobre nós. Já não basta viver o que vivemos — fechados
em casa, assustados, enlutados, hospitalizados — ainda é preciso tolerar um
governante infernizando o cotidiano.
Bolsonaro disse que por pouco não houve uma crise
institucional. E falou avisando que pode retornar ao confronto e passando a
ideia de que só não descumpriu a ordem judicial porque decidiu dar uma segunda
chance. O ataque que ele fez ao ministro Alexandre de Moraes foi explícito e
ofensivo. O presidente deu um ultimato à Justiça. Depois, na transmissão da
noite, disse que tinha feito apenas um desabafo sem ofender ninguém. As
instituições brasileiras têm aceitado o desdito diante dos piores ditos. Assim,
ele fica sempre impune. Para seus apoiadores ele aparece como vítima, aquele
que não consegue governar porque o Supremo não deixa, o Congresso chantageia, a
mídia persegue. Apresenta-se como aquele que luta contra “o sistema”. Tudo
levando à conclusão de que para bem governar o presidente precisa de super
poderes, de um AI-5, como pediram os manifestantes que ele apoiou. Essa é a
única ideia na qual Bolsonaro acredita. Fortalecer o “quem manda sou eu”.
Bolsonaro conspira contra a democracia à luz do dia, diante
de todos. Alguns líderes políticos pedem paciência, como se ele fosse apenas
uma pessoa de maus modos. Não. Ele tem maus propósitos. As Forças Armadas
aceitam compartilhar o poder e passam a viver na ambiguidade. Nos 30 anos de
democracia, os militares fizeram uma trincheira: defenderiam o período
autoritário como necessário. Protegido o passado, eles se dispunham a cumprir
suas funções dentro dos marcos democráticos. A atual geração de oficiais generais
aceitou o risco de misturar-se ao governo Bolsonaro. O presidente usa a ideia
de que as Forças Armadas estão ao seu lado. Alguns fazem críticas ao
presidente. Mas só intramuros. Os generais que trabalham diretamente com ele
ficam satisfeitos quando conseguem evitar um ato tresloucado. Em seguida ele
comete outro. Os militares se confortam com a tese de que seria pior se não
estivessem lá. Não notam o que estão avalizando. Garantem que não aceitarão uma
“aventura”. Não percebem que estão viabilizando a aventura.
A questão é como proteger a democracia brasileira nessa
armadilha na qual o país está. Não há outro caminho que não seja o impedimento.
O presidente precisa ser impedido através das leis que regem esse processo, que
sempre foi e sempre será traumático, mas já foi usado por muito menos do que o
que tem feito Jair Bolsonaro. Nem o Judiciário, nem o Congresso podem ter medo
nesse momento. Bolsonaro já cometeu inúmeros crimes de responsabilidade. A
lista é longa e os juristas e políticos a conhecem. A ideia de que “não há
clima” é muito confortável para todos os que querem eximir-se das
responsabilidades que têm.
Se ele não tivesse afrontado as leis tantas vezes, e
estivesse apenas atormentando o país com crises diárias no meio de uma pandemia
já seria motivo suficiente para se pensar no impeachment. Bolsonaro é um
governante que escolheu agravar todas as crises quando o país trava uma luta de
vida ou morte.
(COM MARCELO LOUREIRO)
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