A pandemia de covid-19 surgiu na China em dezembro. Fez as primeiras vítimas em janeiro. Espalhou-se pelo mundo e chegou ao Brasil entre fevereiro e março. Quando aqui aportou encontrou o País em crise, com milhões de desempregados.
Há esperanças de deixarmos o isolamento até o início de junho. Hipóteses otimistas acenam com a possibilidade de refluxo no segundo semestre. O colapso das atividades econômicas só não é mais assustador do que o número de mortos e infectados. Milhares de empresas quebraram. Outras sobrevivem com graves dificuldades. A economia interna retrocederá uma década. O produto interno bruto cairá fortemente, na pior recessão em mais de cem anos. O desemprego poderá alcançar 20 milhões até dezembro.
É tempo de planejar a reconstrução. Joaquim Levy, ex-presidente do BNDES e ex-ministro da Fazenda, entrevistado pelo Estadão (15/4), advertiu sobre a necessidade de se organizar a “saída ordenada da crise”. Alertou, porém, que “tentar reconstruir a economia como era não vai funcionar”.
A reconstrução será possível, porém sobre novos fundamentos. O “custo Brasil” é o primeiro obstáculo que exige demolição. Para o nosso tamanho, é pífia a participação no cenário econômico internacional. Produtos industriais, de tecidos a automóveis, devem se tornar competitivos além do Mercosul, graças à qualidade e ao preço. Além de reduzir a burocracia e a carga tributária, as relações entre capital e trabalho deverão desenvolver-se em ambiente pautado pela busca do entendimento. Em vez do conflito crônico, o diálogo e a negociação.
A história do movimento sindical brasileiro oscila da servil promiscuidade com o governo, como à época do Estado Novo e boa parte do regime militar, ao grevismo irresponsável, tal e qual durante o governo Sarney. Com o fim da contribuição sindical obrigatória, a estrutura desabou. Da debacle salvaram-se entidades de servidores públicos e alguns sindicatos de estatais, de sociedades de economia mista e de multinacionais do setor automotivo. De qualquer forma, a classe trabalhadora não deve ser esquecida, mas prestigiada e integrada ao esforço de reconstrução.
Resisto à ideia do pacto social, à semelhança do que se conseguiu na Espanha no final de 1977, e não se alcançou no governo José Sarney após o malogro do Plano Cruzado. Os interlocutores e as circunstâncias são outros. Garantir a manutenção dos níveis de emprego durante determinado período deverá funcionar como valiosa moeda de troca para empregadores. Dos trabalhadores se espera o compromisso da redução dos litígios. Será indispensável criar ambiente de segurança jurídica, preservando-se a validade dos acordos ajustados segundo as regras das Medidas Provisórias 927 e 936. O temor do “passivo oculto” inibe contratações.
O Brasil fechou-se ao mundo pela incapacidade de enfrentar políticas econômicas pragmáticas, como são as norte-americanas, chinesas, japonesas, alemãs e sul-coreanas. Erguemos barreiras alfandegárias como instrumento de proteção da ineficiência. A tecnologia é importada e atrasada, incapaz de se ombrear com o mundo informatizado. Somos pobres em pesquisas. A mão de obra se ressente da baixa produtividade.
O balanço final da pandemia revelará que raros países vão sobreviver ilesos. A China interromperá 20 anos de desenvolvimento. Para 2021 são previstas perdas econômicas de 6,8%. As dificuldades dos Estados Unidos não serão menores. A Europa empobreceu. Vejam-se Itália, Inglaterra, Espanha, França. A proposta de Plano Marshall é além de idiota. Pedir dinheiro ao exterior é ato criminoso, escreveu Napoleão Bonaparte (Máximas e Pensamentos, Ed. Topbooks). Não será com dinheiro vertido de fora que o Brasil se reconstruirá, mas graças ao esforço planejado e incansável de trabalhadores e empresários, unidos pelo desejo de reerguer o País. O descontrolado endividamento causou-nos imensos prejuízos e demandou anos de sacrifícios para ser pago.
As perspectivas são desfavoráveis, mas a missão não é impossível. Dependerá de quem assumir a liderança. O êxito não resultará de medidas de força, mas da inteligência, perseverança, visão e capacidade de coordenar esforços dos responsáveis pela reconstrução. Na exoneração do ministro Sergio Moro, após a demissão do dr. Luiz Henrique Mandetta, comprovou-se o que já se imaginava: o Poder Executivo federal tem à frente imprevisível e impulsivo comandante. O que esperar de alguém dotado de personalidade autoritária, praticante do monólogo e avesso ao diálogo? De alguém incapaz de compreender que o dissenso é próprio da democracia e que o consenso nasce do entendimento, não resulta de imposição da caneta?
O presidente Jair Bolsonaro desperdiça a credibilidade adquirida na campanha eleitoral. Despreza opiniões que não venham de seus apoiadores. A promessa de implantação de novo modelo político é desmentida pelos fatos. Não lhe será fácil recuperá-la.
*Ex-ministro do trabalho, fundador da Academia Paulista de Direito do Trabalho (APDT), presidiu o Tribunal Superior do Trabalho
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