A covid-19 levou Aldir Blanc, mas sua obra é um fio
permanente de beleza a nos guiar nestes tempos obscuros, a exemplo da canção
Resposta ao Tempo. A resposta à crise não pode mais ser atropelada por agendas
inadequadas. A falta de diagnóstico e de prognóstico turva a visão do governo.
Ainda há tempo para salvar muitas vidas. A resposta tem de se pautar em dois
eixos: o combate ao vírus, no curto prazo, e o planejamento para o pós-crise.
O isolamento social é inescapável, como explicou o
sanitarista Gonzalo Vecina em artigo no Estadão de 20/5. A recessão econômica
poderá ser pior do que a apontada no atual cenário pessimista da Instituição
Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, de 5,2%. Diante disso, a tarefa
primordial é reduzir mortes e planejar um horizonte de recuperação da produção
e do consumo. A volta à normalidade ocorrerá, tempestivamente, de maneira
coordenada.
No eixo do combate ao vírus destacam-se quatro frentes de
batalha: 1) guarnecer o SUS e os governos regionais; 2) disseminar os testes de
diagnóstico e acelerar a compra de respiradores e a instalação de novas UTIs,
em parceria com o setor privado; 3) mitigar os efeitos da crise sobre a renda
dos mais pobres; e 4) intensificar as medidas de isolamento e as campanhas de
higiene pessoal e de uso de máscaras. Comento cada uma a seguir.
1) Foram aprovados R$ 50,2 bilhões de auxílio aos governos
estaduais e municipais, além de compensações de até R$ 16 bilhões nos fundos de
participação desses entes federativos. Outros R$ 49,8 bilhões foram destinados
à saúde, incluindo gastos diretos da União e transferências para Estados e
municípios. Mas desse total, de R$ 116 bilhões, foram pagos apenas R$ 11,2
bilhões. É preciso transpor obstáculos burocráticos e acelerar os pagamentos,
sobretudo no gasto com saúde.
2) “O tempo aprisiona”, diz a música de Aldir Blanc. A
inépcia, também. É urgente promover um esforço nacional envolvendo o setor
privado. Sua estrutura, seus profissionais e seu conhecimento têm de ser
convertidos para as trincheiras da guerra ao vírus. Faltam testes,
medicamentos, respiradores, UTIs e profissionais. Por hipótese, o aluguel ou
construção de 30 mil leitos de UTI, ao custo médio diário de R$ 2 mil/paciente,
por um período de três meses, representaria R$ 5,4 bilhões. É uma cifra muito
pequena relativamente ao poder de fogo da União. Poderia ser comportada nos R$
49,8 bilhões mencionados.
3) O programa emergencial de R$ 600 está sendo executado,
apesar das filas e das dificuldades para acesso ao dinheiro. Dos R$ 123,9
bilhões fixados pelo governo no orçamento, R$ 76,4 bilhões já foram pagos. A
IFI estima que o programa atingirá quase 80 milhões de brasileiros, ao custo de
R$ 154,4 bilhões em três meses. A discussão sobre a prorrogação do auxílio é
relevante, mas precisa ser feita no contexto de eventual reestruturação e
unificação dos benefícios sociais já existentes.
4) As campanhas para higienização pessoal, controle de
circulação de pessoas e uso de máscaras têm de ser intensificadas. Como
apontado por Vecina, se o contágio não se distribuir no tempo, a demanda
adicional de UTIs levará o sistema de saúde ao colapso.
No segundo eixo, o do planejamento para o pós-crise, é
preciso ter claro o ponto de partida: a dívida pública aumentará mais de dez
pontos porcentuais do PIB em 2020, algo como R$ 732 bilhões. Em 2021 será
preciso retomar déficits públicos menores. Tarefa complexa a executar se o PIB
aumentar muito pouco. A saída da crise envolve o compromisso com o controle dos
gastos governamentais e com o aumento das receitas e dos investimentos
públicos.
Os juros baixos ajudarão a elevar o investimento privado,
mas cabe lembrar que a ociosidade da indústria já supera os 40%. Os recursos
dos programas de crédito têm de chegar mais rapidamente às empresas. Também o
programa de manutenção de emprego com redução de jornada merece atenção, uma
vez que foram pagos até agora apenas R$ 4,5 bilhões dos R$ 51,6 bilhões
previstos. Do contrário, fragilizaremos a retomada.
Um verdadeiro bunker é necessário para dirigir tudo isso. Os
dois eixos são complexos e cheios de matizes que dependem de gente competente,
gestores, especialistas e estudiosos. Em nada ajuda a súcia de camisas pardas a
aplaudir o caos. A hora é da qualificada elite burocrática do País. Mas isso
requer liderança política.
As tarefas são óbvias: coletar informações diárias de todos
os Estados e municípios, com foco nos mais afetados pelo coronavírus, e agir, a
partir do bom diagnóstico. E, claro, corrigir a rota quando necessário. Não é
uma operação trivial.
Como na canção de Aldir Blanc, “(o tempo) sussurra que apaga
os caminhos”, atropela vidas, é implacável com a irresponsabilidade. “Batidas
na porta da frente. É o tempo…”. A melhor resposta? Governar.
Nota: Meu avô, Milton Scudeler, era assinante do Estadão e
lia para mim os editoriais e artigos de opinião das páginas A2 e A3, onde agora
tenho a honra de escrever periodicamente. Agradeço ao jornal pelo espaço
aberto.
- Diretor executivo da IFI
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