segunda-feira, 18 de maio de 2020

BOLSONARO E AS ATIVIDADES ESSENCIAIS

Editorial O Estado de S.Paulo

À medida que governadores e prefeitos de cidades de grande e médio portes são obrigados a ampliar as medidas de isolamento social, adiando a reabertura do comércio, o presidente Jair Bolsonaro vai fazendo o oposto. Depois de ter baixado no dia 7 de maio um decreto que inclui atividades industriais e construção civil como atividades essenciais, em meio ao avanço da pandemia da covid-19, na semana passada ele assinou outro decreto, desta vez incluindo academia de ginástica, salão de beleza e barbearia no rol de serviços essenciais.

“Academia é vida. As pessoas vão aumentando o colesterol, tem problema de estresse (sic). Vai ter vida mais saudável. Fazer cabelo e unhas é questão de higiene”, alegou. Um dia antes de anunciar o novo decreto ele informou que já tem outras atividades em mente para listar como essenciais. “Devo botar mais profissões como atividades essenciais. Vou abrir a economia”, disse ele a apoiadores, em frente ao Palácio do Planalto. Ao todo, a lista já contém 57 atividades classificadas como essenciais.

Ao serem classificadas como essenciais, do ponto de vista da União essas atividades e serviços ficam autorizados a continuar em operação no período de quarentena. O problema é que a estrutura federativa do País confere aos Estados e municípios prerrogativas legais para que, em suas jurisdições, possam fazer o oposto, adotando sistemas mais drásticos de rodízio de automóveis e circulação de pessoas e exigências mais severas para reabertura de fábricas e lojas. Têm poderes, inclusive, para adotar planos de emergência, restringindo o acesso da população ao transporte público para reduzir risco de contágio.

O compartilhamento de prerrogativas faz parte da estrutura descentralizada do federalismo – um modelo político-administrativo que está em vigor desde a primeira Constituição republicana brasileira, promulgada em 1891. Inspirada no modelo adotado nos Estados Unidos, essa estrutura descentralizada deixa para os poderes locais e regionais a responsabilidade sobre o cotidiano da vida econômica e social, ao mesmo tempo que atribui à União a responsabilidade pela articulação dessas atividades no plano nacional. Esse modelo pressupõe equilíbrio, diálogo e negociação entre municípios, Estados e União. O exemplo mais conhecido entre nós está na área da educação, na qual os secretários municipais e os secretários estaduais de Educação criaram duas entidades para representá-los nas negociações com a União.

Portanto, quando decide alargar o rol de atividades essenciais, como forma de limitar o âmbito de ação de prefeitos e governadores, Bolsonaro está cometendo um erro crasso. Por maior que seja a amplitude de seus decretos, ele não dispõe de prerrogativa legal para interferir na autonomia dos prefeitos e governadores. Com suas iniciativas demagógicas, Bolsonaro pode incitar politicamente patrões e empregados contra os governos municipais e estaduais. Mas não pode ir além dessa atitude deletéria.

Fosse mais responsável e conhecesse a Constituição que jurou cumprir, em vez de dificultar o combate à pandemia ele estaria exercendo um papel de articulador, estabelecendo marcos normativos e diretrizes nacionais em matéria de saúde pública, contribuindo para que o Brasil adotasse uma política racional e eficiente de combate ao avanço da covid-19.

Nem mesmo nos Estados Unidos, o país que tem a maior estrutura político-administrativa federativa do mundo, o presidente Donald Trump – ídolo de Bolsonaro – teve sucesso quando pressionou governadores republicanos para suspender as medidas de isolamento social. Alguns governadores chegaram a antecipar o retorno às aulas, mas o fizeram levando em conta os laudos técnicos de suas assessorias, e não os apelos de Trump.

É por isso que de nada adianta Bolsonaro insistir em ampliar o rol de atividades essenciais e pressionar as instâncias superiores do Judiciário a obrigar prefeitos e governadores à obediência. Isso só serve para desorientar os cidadãos expostos ao vírus letal.

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