À medida que governadores e prefeitos de cidades de grande e
médio portes são obrigados a ampliar as medidas de isolamento social, adiando a
reabertura do comércio, o presidente Jair Bolsonaro vai fazendo o oposto.
Depois de ter baixado no dia 7 de maio um decreto que inclui atividades
industriais e construção civil como atividades essenciais, em meio ao avanço da
pandemia da covid-19, na semana passada ele assinou outro decreto, desta vez
incluindo academia de ginástica, salão de beleza e barbearia no rol de serviços
essenciais.
“Academia é vida. As pessoas vão aumentando o colesterol,
tem problema de estresse (sic). Vai ter vida mais saudável. Fazer cabelo e
unhas é questão de higiene”, alegou. Um dia antes de anunciar o novo decreto
ele informou que já tem outras atividades em mente para listar como essenciais.
“Devo botar mais profissões como atividades essenciais. Vou abrir a economia”,
disse ele a apoiadores, em frente ao Palácio do Planalto. Ao todo, a lista já
contém 57 atividades classificadas como essenciais.
Ao serem classificadas como essenciais, do ponto de vista da
União essas atividades e serviços ficam autorizados a continuar em operação no
período de quarentena. O problema é que a estrutura federativa do País confere
aos Estados e municípios prerrogativas legais para que, em suas jurisdições,
possam fazer o oposto, adotando sistemas mais drásticos de rodízio de
automóveis e circulação de pessoas e exigências mais severas para reabertura de
fábricas e lojas. Têm poderes, inclusive, para adotar planos de emergência,
restringindo o acesso da população ao transporte público para reduzir risco de
contágio.
O compartilhamento de prerrogativas faz parte da estrutura
descentralizada do federalismo – um modelo político-administrativo que está em
vigor desde a primeira Constituição republicana brasileira, promulgada em 1891.
Inspirada no modelo adotado nos Estados Unidos, essa estrutura descentralizada
deixa para os poderes locais e regionais a responsabilidade sobre o cotidiano da
vida econômica e social, ao mesmo tempo que atribui à União a responsabilidade
pela articulação dessas atividades no plano nacional. Esse modelo pressupõe
equilíbrio, diálogo e negociação entre municípios, Estados e União. O exemplo
mais conhecido entre nós está na área da educação, na qual os secretários
municipais e os secretários estaduais de Educação criaram duas entidades para
representá-los nas negociações com a União.
Portanto, quando decide alargar o rol de atividades
essenciais, como forma de limitar o âmbito de ação de prefeitos e governadores,
Bolsonaro está cometendo um erro crasso. Por maior que seja a amplitude de seus
decretos, ele não dispõe de prerrogativa legal para interferir na autonomia dos
prefeitos e governadores. Com suas iniciativas demagógicas, Bolsonaro pode
incitar politicamente patrões e empregados contra os governos municipais e
estaduais. Mas não pode ir além dessa atitude deletéria.
Fosse mais responsável e conhecesse a Constituição que jurou
cumprir, em vez de dificultar o combate à pandemia ele estaria exercendo um
papel de articulador, estabelecendo marcos normativos e diretrizes nacionais em
matéria de saúde pública, contribuindo para que o Brasil adotasse uma política
racional e eficiente de combate ao avanço da covid-19.
Nem mesmo nos Estados Unidos, o país que tem a maior
estrutura político-administrativa federativa do mundo, o presidente Donald
Trump – ídolo de Bolsonaro – teve sucesso quando pressionou governadores
republicanos para suspender as medidas de isolamento social. Alguns
governadores chegaram a antecipar o retorno às aulas, mas o fizeram levando em
conta os laudos técnicos de suas assessorias, e não os apelos de Trump.
É por isso que de nada adianta Bolsonaro insistir em ampliar o rol de atividades essenciais e pressionar as instâncias superiores do Judiciário a obrigar prefeitos e governadores à obediência. Isso só serve para desorientar os cidadãos expostos ao vírus letal.
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