O presidente Jair Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade.
Vários. Ele tem ameaçado a federação, tem infringido o direito social à saúde,
ameaça o livre exercício do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. Tanto a
lei que regulamenta o afastamento do presidente, a 1079/1950, quanto a
Constituição Federal estabelecem o que são os crimes de responsabilidade.
Impeachment é um julgamento político, e quem estiver na presidência precisa
apenas de 172 votos para barrá-lo. O inquérito na PGR investiga se ele cometeu
outros crimes. Até agora os depoimentos e contradições enfraqueceram a defesa
do presidente. O procurador-geral da República, Augusto Aras, pode querer muito
arquivar o inquérito, mas os indícios aumentam a cada dia.
Bolsonaro pode enfrentar um processo de impeachment no
Congresso, se o deputado Rodrigo Maia der início. Há elementos para embasar um
pedido de interrupção de mandato por crime de responsabilidade. O Congresso
pode fazer isso ou não. É processo longo e penoso. Mas se não ocorrer, a
explicação não estará em falta de crime, mas sim em algum insondável motivo que
pertence aos desvãos da política.
O artigo 9º da lei 1079 estabelece em seu inciso 7 que é
crime contra a probidade da administração “proceder de modo incompatível com a
dignidade, a honra e o decoro do cargo”. Decoro que ele quebrou inumeráveis
vezes. No inciso 5, “infringir no provimento de cargos públicos, as normas
legais”. O que está sendo revelado no inquérito da suspeita de interferência na
Polícia Federal dá várias razões para se concluir que ele tentou ferir esse
dispositivo da lei. O artigo 6º caracteriza os crimes contra o livre exercício
dos poderes constitucionais. O primeiro inciso fala em “tentar dissolver o
Congresso Nacional” ou “tentar impedir o funcionamento de qualquer das
Câmaras”. O presidente Bolsonaro já participou de atos que explicitamente pedem
o fechamento do Congresso, em faixas e palavras de ordem e nos motivos da
convocação. Discursou dizendo que acreditava nos manifestantes e afirmou que as
Forças Armadas estavam com eles, em clara ameaça ao país. No artigo 7º, a lei
de 1950 define o crime contra o exercício dos direitos políticos, individuais e
sociais. Nele, o inciso 9 indica: “violar patentemente qualquer direito e
garantia individual.” Nesse ponto se enquadra a violação do direito à saúde,
quando ele prega diariamente contra as medidas recomendadas por todas as
autoridades sanitárias do mundo e todos os especialistas brasileiros em saúde
pública.
No artigo 85 da Constituição Federal são considerados crimes
de responsabilidade os atos do presidente que atentem contra: “a existência da
União.” Bolsonaro foi do “aqueles governadores paraíba” até a conclamação dos
empresários para jogar pesado contra os governadores porque “é guerra”. Isso
atenta contra a União. “O livre exercício do Poder Legislativo e do Poder
Judiciário”. Com as manifestações pedindo fechamento do Congresso e do Supremo,
o que fez Bolsonaro? “O exercício dos direitos políticos, individuais e
sociais”. Ele os fere insistentemente.
Mesmo se for arquivado, o inquérito na PGR pode fornecer elementos
para sustentar um processo de impeachment. Interferir na polícia judiciária
afeta o próprio livre exercício do Poder Judiciário.
A lei 1079/50 foi muitas vezes analisada durante o processo
de impeachment da ex-presidente Dilma. Ela foi acusada pelo artigo 10, que
define “os crimes contra a lei orçamentária”. A Constituição também, no artigo
85, fala dos crimes orçamentários. Depois que passa, fica na memória pouca
coisa, o registro é de que ela errou no Plano Safra, baixou decretos de criação
de despesa sem a prévia autorização do Congresso. Mas foi mais. As pedaladas
são apenas a palavra que a crônica política criou. Dilma caiu porque arruinou a
economia, criou uma recessão que perdurou por dois anos, fez uma escalada de
desemprego, abriu um rombo nas contas públicas e usou os bancos públicos para
pagar despesas orçamentárias. Ela fez gestão temerária na economia. Eu achava
naquela época, acho agora.
Desconhecer os crimes muito mais graves cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro é aceitar um perigo infinitamente maior. Não se trata de ameaça à economia. Agora é a democracia que corre riscos.
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