Se há um insulto que, de tão abusado, sofreu enorme
desvalorização é o de fascista.
No começo, designava as milícias do italiano Benito Mussolini, que marcharam
sobre Roma em 1919 e o levaram ao poder. Aos poucos, tornou-se sinônimo de
regime totalitário e, com o nazismo, chegou ao máximo da brutalidade. Durante o
século 20, no entanto, o epíteto se generalizou e passou a designar qualquer
pessoa que não seja "de esquerda". É um leque que abrange dos
hidrófobos de direita assumidos aos vagamente reacionários, conservadores,
centristas, liberais, neoliberais e até social-democratas.
Todo mundo já foi um dia chamado de fascista, tanto o PM que
abre a pontapés a porta de um barraco na favela quanto o guarda que nos multa
no trânsito. Deixou de ser insulto. Com isso, os fascistas de verdade —que
professam com fervor e devoção os princípios do fascismo— ficaram num limbo que
lhes permite operar com desembaraço. Talvez seja hora de defini-los mais
tecnicamente.
O fascista é nacionalista. Acredita numa conspiração global
contra os valores e riquezas de seu país. Por isso, e por não confiar no
mercado, que é internacionalista, apoia uma pesada intervenção do Estado na
economia. Combate ferozmente os políticos e juristas, para eles um bando de
corruptos, exceto os que servem ao seu líder —este sempre um político e/ou
militar carismático, com um discurso "patriota", messiânico,
moralizante e escorado em valores imprecisos, como "Deus" e
"família". Os que não seguem tais linhas são comunistas.
O fascista pratica o culto da ação e da agressão e prega
o armamento do
"povo" (suas falanges) contra uma hipotética ditadura. Na verdade,
visa à tomada de um poder acima da lei e até do Exército —a própria ditadura.
Se tal descrição lhe parece um déjà vu, essa era a receita
de Mussolini. Deu certo por muitos anos. Mas terminou com ele de cabeça para
baixo.
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
Nenhum comentário:
Postar um comentário