Não lhe bastassem a pandemia e a recessão, o presidente
decidiu abrir uma terceira frente, ao deflagrar grave crise política que poderá
até lhe custar o mandato.
Tendo se permitido incorrer nos custos de destituir Mandetta
em meio à pandemia, Bolsonaro não se deu por satisfeito. Três dias depois,
aceitou ser protagonista central de grotesca manifestação antidemocrática, em
frente ao QG do Exército, em Brasília. E, em seguida, não teve melhor ideia do
que armar novo pandemônio político que culminou na renúncia do mais popular de
seus ministros.
Diante de tantos despropósitos, é natural que muitos
analistas estejam tentados a crer que o presidente já não se pauta por
considerações racionais. E é até possível que estejam certos. Mas, por ora,
parece mais realista presumir que o presidente continua tentando ser racional,
ainda que com objetivos muito estreitos, péssima assessoria e manejo lamentável
dos seus recursos políticos. É uma perspectiva analítica mais promissora,
porque permite vislumbrar elementos cruciais do cálculo político do Planalto
que escapariam a análises baseadas na presunção de irracionalidade.
Já é hora de passar a entender Bolsonaro & Filhos como
um grupo político indissociável. Tendo conquistado a Presidência da República
nas condições especialíssimas da eleição de 2018, o grupo atravessou 2019 cada
vez mais convicto de que o feito poderia ser repetido em outubro de 2022.
Tal convicção viria a ser fatalmente abalada pela pandemia e
seus complexos desdobramentos econômicos e sociais. E, para o grupo, a brusca
reversão de expectativas seria traumática.
Mandetta caiu, em parte, por ter mostrado mais sucesso do que deveria. Mas, primordialmente, por ter insistido numa linha bem fundamentada de combate à epidemia que eliminava qualquer esperança de que a economia pudesse vir a ter, em 2020, desempenho compatível com o projeto de reeleição de Bolsonaro.
Mandetta caiu, em parte, por ter mostrado mais sucesso do que deveria. Mas, primordialmente, por ter insistido numa linha bem fundamentada de combate à epidemia que eliminava qualquer esperança de que a economia pudesse vir a ter, em 2020, desempenho compatível com o projeto de reeleição de Bolsonaro.
Ao erro crasso da destituição de Mandetta, seguiram-se novos
e graves equívocos. Inseguro com a extensão do desgaste que a troca do ministro
da Saúde provocara, o presidente foi convencido a ter desastrosa participação
na demonstração antidemocrática de domingo, 19, em Brasília. O que lhe rendeu,
já no dia seguinte, solicitação da Procuradoria-Geral da República, ao STF, de
instauração de inquérito sobre os patrocinadores da demonstração.
E aqui vem a questão crucial. Por que Bolsonaro & Filhos
não pararam por aí? Por que, tendo já incorrido em tanto desgaste, decidiram
desencadear, em momento tão inconveniente, a disputa pelo controle da Polícia
Federal (PF), que redundaria na renúncia de Moro?
Na resposta a tal indagação, faz toda diferença supor que
Bolsonaro & Filhos ainda tomam decisões racionais ou que já estão entregues
à inconsequência. Se a decisão de enfrentar Moro adveio de um cálculo político
racional, é porque os benefícios esperados superavam com folga os custos
envolvidos.
Saltam aos olhos quão enormemente custosa, para o Planalto,
foi a renúncia de Sergio Moro. É difícil que Bolsonaro & Filhos tenham se
surpreendido com as proporções do desgaste político que lhes foi imposto. Se,
mesmo assim, foram em frente com a decisão, é porque os benefícios que
esperavam auferir com o controle da PF lhes pareciam largamente compensadores.
Como é fácil perceber, a simples suposição de que a decisão
de desafiar Moro decorreu de um cálculo político racional é o que basta para
entrever quão alarmado estava o Planalto com sua vulnerabilidade. E quão
urgente lhe parecia assumir controle imediato e absoluto sobre a PF.
Com a suspensão da nomeação do novo diretor da PF, por
liminar do STF, o oneroso episódio que redundou na renúncia de Moro
converteu-se no que no mundo anglo-saxão se rotula de all-cost operation. Só
custos, nenhum benefício. Por ora, Bolsonaro & Filhos voltaram a se ver tão
vulneráveis como antes se viam.
É assombrado por essa vulnerabilidade que o governo, agora,
terá de lidar com o avanço da pandemia e a brutal crise econômica e social que
o país tem pela frente.
*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor
titular do Departamento de Economia da PUC-Rio
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