sexta-feira, 1 de maio de 2020

SEM BÚSSOLA NO OLHO DO FURACÃO

Míriam Leitão, O GLOBO
Hoje é dia do trabalho e só se viu até agora a ponta do iceberg do que poderá vir a ser o desemprego no Brasil. O país navega sem qualquer visibilidade no meio de uma tempestade. O mercado de trabalho já está em forte deterioração, e a economia corre o risco concreto de ficar sem indicadores para orientar as políticas públicas em qualquer área. O Caged não está sendo divulgado desde dezembro, e o IBGE dificilmente conseguirá trazer o retrato do desemprego ou dos outros índices econômicos.
A ex-presidente do IBGE Wasmália Bivar acha que a direção do Instituto deveria estar se mobilizando, falando com a sociedade brasileira para superar o impasse que se formou:
– É preciso ir ao Supremo, Congresso, trazer a OAB, fazer seminário virtual, falar com a imprensa, enfim, explicar a todos a necessidade de ter acesso a dados que permitam ao IBGE construir uma nova forma de trabalho.
A pandemia fez com que, em todo o mundo, houvesse a suspensão das pesquisas domiciliares. Wasmália acha que o IBGE está corretíssimo em ter também suspendido para proteger as famílias e a equipe de trabalho. O problema é que em seguida o governo baixou a MP determinando que o instituto tivesse acesso aos dados individuais que teriam que ser fornecidos pelas companhias telefônicas. Por ser uma MP, e pela maneira como foi feita, produziu uma onda de reação. Partidos diferentes, a OAB e outras instituições procuraram o STF, e a ministra Rosa Weber suspendeu o repasse de dados das telefônicas.
– A questão toda foi a forma, uma MP, e que ainda deixou muitas lacunas porque não mostra direito a necessidade dos dados. Era preciso ser explicado para que fosse entendido por todos os usuários do IBGE. Uma MP pedindo acesso a informações individualizadas de todos os brasileiros, de todas empresas, provocou uma reação compreensível, mas era possível ser explicado. O que me surpreende é que vejo os dias passarem e nada ser feito – alerta Wasmália.
Ontem o IBGE divulgou que a taxa de desemprego no trimestre encerrado em março ficou em 12,2%, um aumento de 1,2 milhão de pessoas desempregadas em relação ao trimestre terminado em dezembro. Todo mundo sabia que aumentaria, mas o fato é que houve uma queda em relação ao ano passado. Alguém acha que em março de 2019 o país estava pior? No meio do mês já havia muita paralisação, e a última semana de coleta já teve que ser feita via telefone.
O dado deve estar subestimado, de acordo com o economista Cosmo Donato, da LCA Consultores.
– A redução da população ocupada foi muito mais forte do que o esperado. Com as medidas de isolamento as pessoas ficaram em casa e pararam de procurar emprego. Dessa forma saíram da estatística de desemprego, mascarando o número – explicou.
Os dados mostram o aumento de 1,2 milhão de desempregados na comparação com o último trimestre, e ao mesmo tempo uma queda de 2,3 milhões na população ocupada.
Segundo Donato, o desemprego teria saltado para 13,2% caso a força de trabalho tivesse mantido o mesmo ritmo de crescimento anterior. A falta de indicadores confiáveis será um dos grandes problemas nesta crise. A Pnad é uma pesquisa feita por amostra de domicílio e dificilmente conseguirá ser feita por telefone. O repórter Bruno Villas Boas, do jornal “Valor Econômico”, escreveu sobre isso esta semana.
– As pesquisas do IBGE como um todo, não só as domiciliares, porque as empresas também estão fechadas, não dá para fazer pesquisa de comércio com tudo fechado. O mundo inteiro enfrenta o problema, mas os países buscaram alternativas, e a maioria tem registros administrativos que nós não temos – disse Wasmália Bivar.
O outro termômetro do mercado de trabalho é o Caged, que mede o mercado formal. Mas o indicador não é divulgado desde dezembro. O governo fez uma mudança de método de envio dos formulários, que passou a ser eletrônico, mas as empresas não aderiram a tempo. Com isso, os dados de janeiro e fevereiro foram postergados. Em março, veio a crise do coronavírus, e, com o trabalho remoto, as informações também não foram encaminhadas ao Ministério da Economia.
No meio de uma crise econômica da proporção da que estamos vivendo, o pior que pode acontecer é não ter indicadores. É como navegar sem bússola no meio de uma tempestade.
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