Eu tento ser uma pessoa boa, mas nem sempre consigo.
Confesso que experimento um certo prazer —uma “Schadenfreude”, diriam os sempre
precisos alemães— ao ver bolsonaristas contorcendo seus neurônios para
processar a nova aliança do mito com o centrão ou ao se verem obrigados a
reclassificar o ex-herói Sergio Moro como um traidor.
O centrão, vale lembrar, é sinônimo da “velha política”, que
Bolsonaro jurou que não teria vez em sua administração. Circula na internet um
vídeo impagável em que o general Heleno, o fiador verde-oliva do governo,
arrisca acordes em que sugere que todos os parlamentares do centrão são
ladrões. Agora, Bolsonaro ameaça demitir os ministros que resistirem em ceder
cargos para esses políticos.
Já Moro, que até alguns dias atrás emprestava à
administração sua imagem de campeão da luta contra a corrupção, deixou o
governo acusando Bolsonaro de crimes graves. É Moro que mudou ou Bolsonaro que
mentiu?
O meu prazer é, de um ponto de vista cristão ou kantiano,
condenável, porque se baseia no sofrimento mental por que essas pessoas passam
ao lidar com contradições óbvias demais para serem ignoradas –dissonâncias
cognitivas no vocabulário da psicologia. E cristãos e kantianos não deveriam
extrair prazer da dor alheia. Mas não sou tão kantiano assim e nada cristão. Já
que os eleitores de Bolsonaro nos impingiram esse estrupício, é justo que
sofram pelo menos um pouquinho também.
Nossa janela para regozijo, porém, é curta. Uma série de
trabalhos inaugurados por Leon Festinger nos anos 50 mostra que, quando
confrontados com dissonâncias cognitivas, nossos cérebros fazem de tudo para
dissolver as contradições e eliminar o sofrimento mental, mesmo que isso
signifique criar fabulações e acreditar em mentiras. Em mais alguns dias, os
bolsonaristas de raiz jurarão que o centrão sempre esteve do lado do bem e que
Moro sempre foi petista.
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