Bolsonaro manda repórteres calarem a boca, ataca a Folha
e nega interferência na PF
BRASÍLIA O presidente Jair Bolsonaro (sem partido)
mandou repórteres calarem a boca na manhã deste terça-feira (5) quando foi
questionado sobre as recentes
mudanças na Polícia Federal. Bolsonaro ainda atacou a Folha, chamando
o jornal de "canalha", "patife" e "mentiroso".
Em declaração pela manhã em frente ao Palácio da Alvorada,
Bolsonaro mostrou uma imagem que reproduzia a manchete da edição impressa
da Folha desta terça-feira e, referindo-se à manchete "Novo
diretor da PF assume e acata pedido de Bolsonaro", disse que não
interferiu na corporação.
"Que imprensa canalha a Folha de S.Paulo.
Canalha é elogio para a Folha de S.Paulo. O atual superintendente
do Rio de Janeiro, que o [ex-ministro Sergio] Moro disse que eu quero trocar
por questões familiares."
"Não tem nenhum parente meu investigado pela Polícia
Federal, nem eu nem meus filhos, zero. Uma mentira que a imprensa replica o
tempo todo, dizer que meus filhos querem trocar o superintendente [da PF no
Rio]", completou o presidente.
Nomeado
um dia antes, o novo diretor-geral da Polícia Federal, Rolando Souza, decidiu
trocar a chefia da Superintendência da PF no Rio de Janeiro, foco de
interesse da família de Jair Bolsonaro. Carlos Henrique Oliveira, atual chefe
da PF no estado, foi convidado para ser o diretor-executivo, número dois na
hierarquia do órgão.
Durante sua fala, Bolsonaro foi questionado por jornalistas
se havia pedido a mudança na superintendência da PF no Rio. Foi aí que ele
disse para os profissionais calarem a boca.
"Cala a boca, não perguntei nada", respondeu a um
primeiro questionamento, feito por uma repórter de O Estado de S. Paulo. "Folha
de S.Paulo, um jornal patife e mentiroso". Questionado em seguida
pela Folha, o presidente gritou novamente: "cala a boca, cala
a boca".
Moro
disse em sua despedida que Bolsonaro queria trocar o diretor-geral
para interferir politicamente na polícia. O ex-ministro afirmou também que o
presidente queria mudanças no Rio e em Pernambuco. Como mostrou o Painel,
Alexandre Ramagem, que teve a nomeação suspensa pelo STF (Supremo Tribunal Federal),
também já tinha decidido trocar o comando da PF no Rio.
Neste terça-feira, para rechaçar que teria promovido
ingerência na PF, Bolsonaro disse que Carlos Henrique Oliveira será
diretor-executivo da corporação, o "zero dois" da estrutura da
polícia.
"Para onde ele [Oliveira] está indo? Para ser
diretor-executivo da Polícia Federal. Ele vai sair da superintendência —são 27
superintendências— para ser diretor-executivo. Eu tô trocando ele? Eu tô tendo
influencia sobre a Polícia Federal? Isso é uma patifaria", afirmou.
"[Ele] está saindo de lá [RJ] para ser
diretor-executivo a convite do atual diretor-geral. Não interferi nada. Se ele
fosse desafeto meu e, se eu tivesse influência na Polícia Federal, ele não iria
para lá. Não tenho nada contra o superintendente do Rio de Janeiro e não
interfiro na PF."
A troca na PF do Rio será investigada pelo procurador-geral
da República, Augusto Aras, no inquérito que apura as acusações de Sergio Moro
a Bolsonaro.
No final da manhã desta terça, Bolsonaro deixou o gabinete
presidencial e permaneceu por cerca de 20 minutos na rampa do Palácio do
Planalto. Acompanhado do ministro Onyx Lorenzoni, da Cidadania, o mandatário
acenou para um pequeno grupo de apoiadores que estava em frente ao edifício.
Em seguida, o presidente perguntou por dois
fotógrafos que no domingo (3) foram agredidos na manifestação pró-Bolsonaro em
frente ao Planalto. Apenas um deles, o fotógrafo Orlando Brito, estava no
local —Dida Sampaio, de O Estado de S.Paulo, não se encontrava no palácio no
momento.
Bolsonaro convidou Brito para um almoço. Segundo relatou o
fotógrafo, na conversa que mantiveram Bolsonaro disse não apoiar os episódios
de agressão a profissionais de imprensa registrados no domingo, mas destacou
que ele não é responsável pelo comportamento da multidão. O presidente
também, ainda segundo o relato de Brito, alegou que não pode controlar o que
seus apoiadores fazem numa manifestação e acrescentou que jamais daria ordens
para alguém agredir outra pessoa.
POSSE DE ROLANDO
O termo
de posse de Rolando no comando PF foi assinado em uma cerimônia
reservada no gabinete do presidente, cerca de dez minutos após a publicação.
Auxiliares de Bolsonaro disseram que a posse-relâmpago foi para agilizar o
processo e não deixar a PF sem comando por mais tempo.
Na semana passada, Alexandre Ramagem, amigo da família do
presidente, teve
a nomeação suspensa por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do
STF (Supremo Tribunal Federal). Bolsonaro chegou a dizer que iria recorrer, mas
não apresentou nenhum ato jurídico formal sobre o assunto até o momento.
Foi Ramagem o responsável pela indicação de Rolando. Eles
trabalharam juntos nos últimos meses na Abin. De acordo com auxiliares do
presidente ouvidos pela Folha, Bolsonaro foi aconselhado a ter
pressa para escolher um novo nome para o órgão após a decisão de Moraes.
Na avaliação de ministros do Supremo, a presença do
presidente no ato antidemocrático do domingo (3) foi um aceno para seguidores.
A leitura é a de que foi uma tentativa de passar a mensagem de que é ele quem
manda e que não admitiria uma segunda anulação de sua nomeação.
No entanto, dentro da corte, a opinião majoritária é de que
não haveria nenhuma possibilidade de suspender a escolha de Rolando, que é
diferente da primeira.
Moraes se baseou especificamente no fato de uma investigação
ter sido aberta para apurar as acusações feitas por Moro e que envolviam
Ramagem, como o escolhido por Bolsonaro para ter mais controle na PF.
A PGR (Procuradoria-Geral da República) solicitou nesta
segunda (4) diligências no inquérito conduzido por Celso de Mello. Entre as
medidas, Augusto
Aras pede depoimentos de cinco delegados, entre eles Carlos Henrique
Oliveira, Ramagem e Maurício Valeixo, ex-diretor-geral.
De novo centro das atenções, o Rio foi pivô da primeira
crise envolvendo a PF e Bolsonaro.
Em agosto do ano passado, o presidente atropelou a cúpula e
anunciou a troca do chefe do Rio, que era Ricardo Saadi. Depois, Bolsonaro
chegou a dizer que Alexandre Saraiva, superintendente do Amazonas, assumiria o
comando no local.
Em dezembro, enfim, com a situação aparentemente mais
tranquila, Carlos Henrique, que era o nome defendido pela direção da PF na
época, assumiu o Rio. Nem seis meses depois, no entanto, deve se mudar
novamente, se aceitar o convite de Rolando.
A preocupação com investigações sobre sua família,
desconhecimento sobre processos, síndrome de perseguição, inimigos políticos e
fake news são alguns dos pontos elencados por pessoas ouvidas pela Folha para
tentar explicar a obsessão do presidente com o Rio.
Sua candidatura em 2018 o colocou como muito próximo dos
bastidores da PF, por ter sua segurança feita pelo órgão —Ramagem chegou a
coordenar uma das equipes, após a eleição, a partir do fim de outubro daquele
ano.
Segundo relatos, bastidores da Superintendência da PF no
Rio, intrigas entre grupos e outras ocorrências passaram a chegar rapidamente a
Bolsonaro desde a campanha.
Depois, as relações foram mantidas, e os assuntos viraram
mais importantes, principalmente após vir à tona a investigação de seu filho
Flávio e também pelo fato de seu mandato ter começado.
A presença ou ausência do chefe da PF no edifício do órgão
era motivo de perguntas por parte do presidente, por exemplo. Funções de
delegados específicos também viravam alvo de reclamações de Bolsonaro.
Mais recentemente, no episódio envolvendo o porteiro, o
presidente chegou a insinuar que o ocorrido era parte de um plano do governador
Wilson Witzel (PSC-RJ). Antes aliados, os dois viraram inimigos políticos desde
o final do ano passado.
A partir disso, nos bastidores, Bolsonaro reclamava de que o
adversário não virava alvo de investigações.
Seus contatos na PF também inflamavam a irritação, dizendo
que tipo de apuração poderia vir a ser feita para atender os anseios do
presidente e espalhavam que os trabalhos não andavam como deveriam.
Até um despacho de um delegado em um caso que envolvia
supostamente um aliado de Bolsonaro, o deputado federal Hélio Negão (PSL-RJ),
virou um dos ingredientes da crise.
O documento recuperava casos de anos anteriores para
levantar a possibilidade de um homem citado no inquérito ser, na verdade, o
parlamentar. Em seguida, no entanto, dizia que não era, mas mandara o caso para
os órgãos de inteligência e também decretara sigilo —dois procedimentos
considerados fora do padrão para o tipo de investigação.
A desconfiança da cúpula da polícia era que se tratava de
uma fraude, com o objetivo de gerar desconfiança na PF do Rio. Como mostrou o
Painel, Alexandre Ramagem, que teve a nomeação suspensa pelo STF (Supremo
Tribunal Federal), também tinha decidido trocar o Rio.
INVESTIGAÇÕES QUE ENVOLVEM ENTORNO DE BOLSONARO
Fake news
- Em
março de 2019, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, anunciou a
abertura de um inquérito para investigar a existência de fake news que
atingem membros da corte.
- Paralelamente,
em setembro do mesmo ano, a CPMI das Fake News foi instaurada no
Congresso.
- Desde
então, a família Bolsonaro tem se colocado contrária ao funcionamento da
comissão, que investiga perfis que fazem parte do arco de apoio do
presidente da República.
- No
final de abril, a Folha revelou que a PF identificou o vereador Carlos
Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, como um
dos articuladores de um esquema criminoso de fake news.
- Dentro
da Polícia Federal, não há dúvidas de que Bolsonaro quis exonerar o
ex-diretor da PF Maurício Valeixo, homem de confiança de Sergio Moro,
porque tinha ciência de que a corporação havia chegado ao seu filho.
Atos pró-golpe
- O
ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorizou a abertura de inquérito
para investigar os atos do dia 19 de março.
- O
pedido foi feito pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. O
objetivo é apurar possível violação da Lei de Segurança Nacional por “atos
contra o regime da democracia brasileira”.
- A
investigação mira empresários e ao menos dois deputados federais
bolsonaristas, Daniel da Silveira (PSL-RJ) e Cabo Junio Amaral (PSL-MG),
por, possivelmente, terem organizado e financiado os eventos.
- Na
mira da PF também estão youtubers bolsonaristas que chamaram público para
os atos. Bolsonaro, que participou dos protestos em Brasília, não será
investigado, segundo interlocutores do procurador-geral.
- Eles
alertam, porém, que, caso sejam encontrados indícios de que o chefe do
Executivo ajudou a organizá-los, ele pode vir a ser alvo.
Caso Queiroz
- Em
agosto de 2019, Bolsonaro anunciou que trocaria o então superintendente da
PF no Rio, Ricardo Saadi, por questões de gestão e produtividade.
- A
corporação passava por momento delicado, após vir à tona o caso Fabrício
Queiroz, policial aposentado e ex-assessor do hoje senador Flávio
Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia do Rio.
- Ele
é o pivô da investigação do Ministério Público que atingiu o primogênito
do presidente. Relatório federal apontou a movimentação de R$ 1,2 milhão
na conta de Queiroz, de janeiro de 2016 a janeiro de 2017.
- A
suspeita é de que o dinheiro seja de um esquema de “rachadinha” —quando
funcionários são coagidos a devolver parte de seus salários aos deputados.
- Nomeado nesta segunda-feira (4) pelo presidente Bolsonaro, o novo diretor-geral da PF, Rolando Alexandre de Souza, decidiu trocar a chefia da corporação no Rio
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