Nem uma emergência sanitária sem precedentes neste século
foi capaz de deter a sanha dos destruidores da Amazônia. Em abril, o som das
motosserras e do crepitar das folhas secas soou muito mais alto na região, como
há uma década não se ouvia nesta época do ano. Se múltiplas atividades pararam
em decorrência da pandemia de covid-19, o desmatamento ilegal da floresta
parece seguir o seu curso completamente alheio aos profundos impactos causados
pela doença no Brasil e no mundo. Um triste fato que ilustra bem o
comportamento irresponsável e leniente do presidente Jair Bolsonaro, que tanto
desdenha da gravidade da pandemia – “o Brasil não pode parar” – como faz
pouco-caso das preocupações globais com a preservação do meio ambiente.
De acordo com os dados do Sistema de Alerta de Desmatamento
(SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), organização
de interesse social voltada para a pesquisa para o desenvolvimento sustentável
da Região Amazônica, 529 km2 de floresta foram desmatados no mês passado. Para
dar ao leitor a dimensão deste crime ambiental, a área desmatada em apenas 30
dias é maior do que a ocupada pela cidade de Porto Alegre (496,8 km2) e
corresponde a um terço da cidade de São Paulo (1.521 km2). O total de área
verde destruída no mês passado representa um salto de 171% em relação a abril
de 2019. Tem-se aqui um retrato bem-acabado do profundo desprezo que o governo
do presidente Jair Bolsonaro, incluindo seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo
Salles, nutre pela chamada questão ambiental.
No início deste mês, o presidente Bolsonaro assinou um decreto
de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), com vigência de 11 de maio a 10 de junho,
que, na prática, submete o trabalho de combate ao desmatamento ilegal realizado
pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e pelo Instituto Chico
Mendes (ICMBio) na Amazônia ao controle do Ministério da Defesa, e não ao do
Meio Ambiente. Por força do decreto, toda a estratégia de combate ao
desmatamento ilegal na Amazônia e as abordagens de campo deverão ser
previamente autorizadas pelo Exército. Se a ideia é reforçar o combate aos
crimes ambientais dando mais poder para os comandos militares da região, o
tempo irá dizer, quando vierem a público os novos relatórios do SAD. O fato é
que o esvaziamento de órgãos historicamente ligados à proteção ambiental, como
o Ibama e o ICMBio, não é alvissareiro. Noutras palavras: tivesse genuína
preocupação com a preservação ambiental, o presidente Jair Bolsonaro teria
reforçado o papel desses órgãos de fiscalização, e não recorrido aos militares,
como quase sempre faz quando se vê diante de um problema.
Além do dano ambiental divulgado pelo Imazon, gravíssimo por
si só, o desmatamento recorde na Amazônia lança luz sobre o enorme risco
sanitário a que estão expostas as comunidades indígenas da região em meio à
pandemia de covid-19. A Região Norte tem sido duramente castigada pela doença.
A população indígena, notadamente os ianomâmis, que já têm cerca de 20 casos de
infecção pelo novo coronavírus registrados em seu Distrito Sanitário Especial
Indígena (Dsei), é uma das mais vulneráveis.
A devastação ambiental divulgada pelo Imazon se soma à absoluta incompetência e insensibilidade do presidente Jair Bolsonaro para lidar com a pandemia de covid-19 no processo de desmoralização do Brasil no terreno das relações internacionais. Cada vez mais, ouvir a voz do País importa cada vez menos no trato de questões mundiais relevantes graças ao diligente trabalho empreendido por Bolsonaro, Salles e pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, para desconstruir a imagem brasileira no campo da diplomacia e da proteção do bioma. Com esta trinca, o Brasil caminha a passos largos para se tornar menos do que um pária internacional, mas uma nação absolutamente irrelevante numa miríade de temas caros à chamada comunidade internacional, uma inglória e inédita posição na história do País.
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