Governo sabe que voluntarismo de Bolsonaro se esgotou e por
isso precisa negociar
Boa parte de nossa crônica política passou ano e meio
reclamando que Bolsonaro não formava sua base no Congresso, que vinha com essa
conversa mole de “nova política”, que era impossível governar daquela maneira.
Mostrei dias atrás que o experimento do governo sem coalizão produziu alguma
funcionalidade, no primeiro ano do governo, mas depois desandou. A pandemia foi
sua pá de cal.
Bolsonaro parte então para um novo arranjo, de maneira
surpreendentemente agressiva, com foco em uma articulação com os partidos do
centrão. O professor Carlos Pereira escreveu um bom artigo descrevendo a nova
estratégia como um “modo de sobrevivência”. Observei a ele que há algo um pouco
além disso no arranjo: a disputa pela sucessão de Rodrigo Maia.
Controlar a presidência da Câmara significa dar o ritmo da
agenda política, no Congresso, o que inclui admitir ou não pedidos de
impeachment. Sérgio Abranches observou, acertadamente, que a nova coalizão não
terá nada de programático.
Diria apenas que houve muito pouca aliança programática, no
Congresso brasileiro, desde a redemocratização. E que este mesmo centrão foi o
que aprovou temas difíceis e cruciais para o país, como a PEC do Teto e as
reformas trabalhista e previdenciária.
Se o governo de fato conseguir organizar minimamente uma
coalizão no Congresso, fazendo as concessões habituais na máquina pública (cuja
extensão por ora ninguém consegue prever), tudo dependerá do governo fazer a
parte mais difícil (Marcos Mendes descreveu isso com precisão dias atrás):
apresentar uma agenda consistente de reformas.
Não me refiro aqui a Paulo Guedes, mas ao governo. É
constrangedor assistir ao ministro da Economia mover uma montanha para fazer
valer o óbvio no tema da contrapartida de estados e municípios ao auxílio
federal. E mais constrangedor ainda é perceber que há um jogo de cena nisso
tudo.
O presidente pode vetar as concessões feitas pelo Congresso,
que são um enorme tapa na cara de milhões de pessoas, no mundo privado, que
perderam seus empregos e andam por aí sem saber o que fazer. A pergunta é se
ele fará algum esforço real para que o veto seja mantido.
O fato é que o governo está fragilizado. Não é apenas a má
condução da pandemia, o cansaço com as tropelias presidenciais ou a paralisia
da pauta econômica. Vivemos o fim de um modo voluntarista de governar. Daí os
sinais bastante claros de um governo crescentemente disposto a fazer concessões
e recuar em suas pretensões de agenda.
A fragilidade do governo veio, em grande medida, da força de
contenção das instituições. Algo que tenho enfatizado aqui e que ganhou escala
nos tempos recentes. O governo sofreu uma sucessão de reveses no Supremo. A
concessão de autonomia a estados e municípios para impor isolamento, o veto à
expulsão dos diplomatas venezuelanos e à posse do delegado Ramagem na chefia da
Polícia Federal são exemplos disso.
Contido pelo Supremo, isolado no Congresso e percebendo sua
popularidade declinar, resta a Bolsonaro negociar. Sinais disso vimos na
reaproximação com Rodrigo Maia (que também percebe sua base balançando pela
ação do governo e muda de tom) e no encontro que Bolsonaro comanda nesta
quinta-feira (21) com os governadores (onde tudo pode acontecer, inclusive
coisa nenhuma).
Isso não significa que Bolsonaro deixará de ser um político
errático e avesso aos bons modos, nem que a oposição subitamente se disporá ao
diálogo. Mas abre espaço a alguma solução de compromisso.
Bolsonaro sabe que seu modo voluntarista de governar
encontrou um limite. Ele precisa de suporte político e algum nível de
pactuação.
Se ele será capaz de fazer isto e reconstruir algum padrão
de governabilidade, digo que não sei. Já há gente demais por aí que sabe de
tudo, de modo que me permito, em meio a esta pandemia triste, a solidão da
dúvida.
*Fernando Schüler, professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.
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