Foi um dia de “paz na política”, a paz dos tempos dos
cemitérios cada vez mais lotados. Ainda que o acordo durasse, não há
perspectiva de que se trate do essencial, a epidemia, e de novidade na política
econômica, planos especiais de reconstrução, se e quando tal coisa for
possível.
Nesta quinta-feira, os presidentes da Câmara, do Senado e
Jair Bolsonaro combinaram de evitar escândalo na reunião em que conversaram com
governadores sobre o auxílio federal a estados e municípios. Alguns senadores e
governadores também combinaram de baixar o tom, inclusive governantes de
esquerda do Nordeste e João Doria, de São Paulo.
No Brasil dos tempos que correm, tais arranjos podem durar
horas, até o próximo comício bolsonarista ou até que vaze algum progresso dos
inquéritos sobre a família presidencial, por exemplo. Além do mais, não foi
possível ainda descobrir o alcance do acordozinho, se foi algo mais do que a
tentativa de manter as aparências.
Há alguns motivos de ligeiro esvaziamento de tensões ao
menos entre dois prédios da praça dos Três Poderes.
Faz pouco mais de um mês, o governo contra-atacou Rodrigo
Maia, presidente da Câmara, com a aquisição de apoios do centrão. Há cargos
sendo entregues a gente do bloco, que deve ficar com a liderança do governo na
Câmara, provavelmente com o PP. Maia recuou. Davi Alcolumbre, presidente do
Senado, procurou ocupar espaço, como apaziguador.
Bolsonaro foi outra vez aconselhado pelos ministros-generais
da casa, do Planalto, a baixar a bola, até porque seu prestígio em pesquisas de
opinião e nas redes sociais está em baixa contínua, embora não em descalabro
rápido. Como se sabe desde o início do governo, tais conselhos podem ser
seguidos apenas por horas.
Algumas lideranças empresariais e banqueiros dizem em
público e privado que é preciso controlar o caos, mandando mensagens mais
diretas ao governo, agora, depois de quase três meses da baderna que Jair
Bolsonaro provocou na contenção da epidemia. Por conversas aqui e ali, nota-se
que o dinheiro grosso não quer ouvir falar de impeachment.
Um transbordamento depende por ora de investigações da
polícia e de um ou outro procurador, sob controle de ministros de tribunais
superiores, as mais perigosas sob controle do Supremo.
Supondo que não tenha sido mera manutenção das aparências
por um dia, a mera conversa de paz vai ser atropelada pelo pavoroso cortejo
funerário da epidemia. No presente ritmo, em 15 dias o Brasil teria mais de 40
mil mortos. O pico fúnebre que jamais chega, mesmo em São Paulo, prorroga a
destruição econômica.
Os auxílios emergenciais e o seguro-desemprego expandido
atenuam a desgraça material das famílias, mas não a bola de neve de destruição
de empresas e empregos. O dinheiro desses auxílios equivale a um terço de toda
a soma mensal de rendimentos do trabalho no país (por pelo menos três meses).
Apesar do tamanho do programa, será enxugamento de gelo caso
a economia não volte a rodar, o que não deve acontecer enquanto houver
isolamentos e medo da morte. Em três meses, de resto, o governo pretende
reduzir tais programas a um terço.
Em suma, a “paz” política nos cemitérios lotados não dá
conta da desgraça da epidemia, óbvio. No que diz respeito à política econômica,
afora auxílios e créditos, não há perspectiva de mudança de programa, a julgar
pelas declarações recentes do comando da Economia e do Banco Central.
Por ora, continuamos à deriva na beira da ruína terminal.
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