quarta-feira, 27 de maio de 2020

ESTUPIDEZ EM CIMA DE ESTUPIDEZ

Monica De Bolle, O Estado de S.Paulo

O título deste artigo é autoplagiado do meu livro Como Matar a Borboleta Azul: uma Crônica da Era Dilma, publicado em 2016. No capítulo sobre os anos 2014 e 2015, tratei da má condução da economia e das escolhas que se revelariam estúpidas, ainda que não mal-intencionadas. Falava ali sobre o ensaio de Carlo Cipolla, As Leis Fundamentais da Estupidez Humana, sobre o qual já escrevi diversas vezes neste espaço, em que neste mês completo dez anos e que me rendeu colunas que acabaram sendo fonte para o livro sobre Dilma.

Recapitulo aqui para o leitor as cinco leis de Cipolla. A primeira reza que sempre e inevitavelmente cada um de nós subestima o número de indivíduos estúpidos em circulação. A segunda lei estabelece que a probabilidade de certa pessoa ser estúpida é independente de qualquer outra característica dela própria. A terceira defende que uma pessoa estúpida é aquela que causa danos a outras sem tirar nenhum proveito para si, podendo até sofrer prejuízo com isso. A quarta lei mostra que as pessoas não estúpidas desvalorizam sempre o potencial nocivo das estúpidas. A quinta advoga, enfim, que o estúpido é o tipo de pessoa mais perigoso que existe.

Tenho refletido muito sobre o ensaio de Cipolla, pois há tempos ele retrata bem a realidade brasileira. Na verdade, constatei que temos nos aprimorado em nos tornarmos a representação viva de tudo o que o historiador falecido em 2000 elaborou de forma sublime. Penso que Cipolla estaria muito fascinado em ver como as leis da estupidez funcionam na prática e como a sua tentativa de traçar as linhas mestras da natureza humana, sobretudo da natureza dos estúpidos, está tão bem representada no Brasil de Bolsonaro.

A reunião ministerial de 22 de abril de 2020 que o diga. Lá há estúpidos aglomerados, falando sem freio, sem noção de si ou do cargo que ocupam, sobre o País estraçalhado pela pandemia e pelo governo de Jair Bolsonaro. Nada daquilo surpreende, embora tudo choque. Choca a fala do ministro do Meio Ambiente quando menciona “passar a boiada” na Amazônia. Choca a fala do ministro da Educação sobre as instituições democráticas do País. Choca a fala do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que essa – a crise humanitária – é uma espécie de oportunidade para o governo ganhar dinheiro ajudando as grandes empresas. As pequenininhas, afinal, não valem o esforço, segundo Guedes. Com elas, o governo perderia dinheiro.

Embora todas as falas sejam chocantes e profundamente estúpidas pelos danos que causam ao País e a quem as profere – sim, eles todos se prejudicam com os despautérios proferidos, ainda que o mercado brasileiro prefira enxergar uma realidade paralela –, ative-me à de Guedes.

Guedes é o ministro da Economia, logo, sua responsabilidade é com todas as entidades e indivíduos que formam o que chamamos de economia brasileira. Mais do que isso, seu dever é com o coletivo, com a ideia de entregar um País melhor para todos do que aquele que encontrou. Mas o que fez Guedes? Sua fala revela alguém que se comporta como um gestor de fundo de quintal ao afirmar que seria possível o governo lucrar dando dinheiro para as grandes empresas.

Reflitam por um momento: eu não comecei este artigo falando sobre a gestão Dilma à toa. Quando foi a última vez que o governo lucrou dando dinheiro para grandes empresas? Ou não houve esse dia, esse momento não aconteceu? Guedes conseguiu a proeza de sair-se muito pior do que Guido Mantega, quando este defendia as políticas de campeões nacionais. Porque lá, ao menos, a ideia era fazer o País crescer. Agora, a ideia é lucrar no meio de uma crise humanitária, com dezenas de milhares de mortos e com o Brasil tornando-se, rapidamente, o epicentro da pandemia. Mais. Guedes falou em lucrar com grandes empresas enquanto as pessoas penam para receber o auxílio emergencial, enquanto o governo faz de tudo para dificultar o pagamento. E ele ainda tem o desplante de dizer que não haverá dinheiro para prorrogá-lo. Não se trata de não saber fazer conta. Trata-se de má intenção mesmo. Sem contar que salvar grandes empresas geraria uma imensa distorção no Brasil, já demasiado concentrado.

O que sobra, então? Sobra fazer um gráfico. Num eixo, mede-se do menos ao mais estúpido. No outro, medem-se as intenções: dos mal-intencionados aos bens intencionados. Peguem uma folha de papel e tracem os quadrantes. Agora, ponham os nomes de cada ministro no gráfico. Trata-se de terapia para tempos de estupidez galopante.

*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

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