O título deste artigo é autoplagiado do meu livro Como Matar
a Borboleta Azul: uma Crônica da Era Dilma, publicado em 2016. No capítulo
sobre os anos 2014 e 2015, tratei da má condução da economia e das escolhas que
se revelariam estúpidas, ainda que não mal-intencionadas. Falava ali sobre o
ensaio de Carlo Cipolla, As Leis Fundamentais da Estupidez Humana, sobre o qual
já escrevi diversas vezes neste espaço, em que neste mês completo dez anos e
que me rendeu colunas que acabaram sendo fonte para o livro sobre Dilma.
Recapitulo aqui para o leitor as cinco leis de Cipolla. A
primeira reza que sempre e inevitavelmente cada um de nós subestima o número de
indivíduos estúpidos em circulação. A segunda lei estabelece que a
probabilidade de certa pessoa ser estúpida é independente de qualquer outra
característica dela própria. A terceira defende que uma pessoa estúpida é
aquela que causa danos a outras sem tirar nenhum proveito para si, podendo até
sofrer prejuízo com isso. A quarta lei mostra que as pessoas não estúpidas
desvalorizam sempre o potencial nocivo das estúpidas. A quinta advoga, enfim,
que o estúpido é o tipo de pessoa mais perigoso que existe.
Tenho refletido muito sobre o ensaio de Cipolla, pois há
tempos ele retrata bem a realidade brasileira. Na verdade, constatei que temos
nos aprimorado em nos tornarmos a representação viva de tudo o que o
historiador falecido em 2000 elaborou de forma sublime. Penso que Cipolla
estaria muito fascinado em ver como as leis da estupidez funcionam na prática e
como a sua tentativa de traçar as linhas mestras da natureza humana, sobretudo
da natureza dos estúpidos, está tão bem representada no Brasil de Bolsonaro.
A reunião ministerial de 22 de abril de 2020 que o diga. Lá
há estúpidos aglomerados, falando sem freio, sem noção de si ou do cargo que
ocupam, sobre o País estraçalhado pela pandemia e pelo governo de Jair
Bolsonaro. Nada daquilo surpreende, embora tudo choque. Choca a fala do
ministro do Meio Ambiente quando menciona “passar a boiada” na Amazônia. Choca
a fala do ministro da Educação sobre as instituições democráticas do País.
Choca a fala do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que essa – a crise
humanitária – é uma espécie de oportunidade para o governo ganhar dinheiro
ajudando as grandes empresas. As pequenininhas, afinal, não valem o esforço,
segundo Guedes. Com elas, o governo perderia dinheiro.
Embora todas as falas sejam chocantes e profundamente
estúpidas pelos danos que causam ao País e a quem as profere – sim, eles todos
se prejudicam com os despautérios proferidos, ainda que o mercado brasileiro
prefira enxergar uma realidade paralela –, ative-me à de Guedes.
Guedes é o ministro da Economia, logo, sua responsabilidade
é com todas as entidades e indivíduos que formam o que chamamos de economia
brasileira. Mais do que isso, seu dever é com o coletivo, com a ideia de
entregar um País melhor para todos do que aquele que encontrou. Mas o que fez
Guedes? Sua fala revela alguém que se comporta como um gestor de fundo de
quintal ao afirmar que seria possível o governo lucrar dando dinheiro para as
grandes empresas.
Reflitam por um momento: eu não comecei este artigo falando
sobre a gestão Dilma à toa. Quando foi a última vez que o governo lucrou dando
dinheiro para grandes empresas? Ou não houve esse dia, esse momento não
aconteceu? Guedes conseguiu a proeza de sair-se muito pior do que Guido
Mantega, quando este defendia as políticas de campeões nacionais. Porque lá, ao
menos, a ideia era fazer o País crescer. Agora, a ideia é lucrar no meio de uma
crise humanitária, com dezenas de milhares de mortos e com o Brasil
tornando-se, rapidamente, o epicentro da pandemia. Mais. Guedes falou em lucrar
com grandes empresas enquanto as pessoas penam para receber o auxílio
emergencial, enquanto o governo faz de tudo para dificultar o pagamento. E ele
ainda tem o desplante de dizer que não haverá dinheiro para prorrogá-lo. Não se
trata de não saber fazer conta. Trata-se de má intenção mesmo. Sem contar que
salvar grandes empresas geraria uma imensa distorção no Brasil, já demasiado
concentrado.
O que sobra, então? Sobra fazer um gráfico. Num eixo,
mede-se do menos ao mais estúpido. No outro, medem-se as intenções: dos
mal-intencionados aos bens intencionados. Peguem uma folha de papel e tracem os
quadrantes. Agora, ponham os nomes de cada ministro no gráfico. Trata-se de
terapia para tempos de estupidez galopante.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
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